31 de maio de 2007
Ela não sabe quanta tristeza cabe numa solidão.
(Baden Powell e Vinicius de Morais)
*imagem de Joe Sorren.
Tudo embrulhado
Raquel Medeiros
Ando enjoando de tudo. Enjoada de tudo. Uma vontade de vomitar quando olho olhos rasos, sorrisos falsos e abraços desonestos. Eu odeio gente desonesta. Na fala e nos gestos. Vontade de vomitar quando ouço (começar) elogios rasgados e rasgáveis.
Argh! Odiar é forte demais, mas é preciso. É preciso navegar, odiar, amar, ser forte e dar com os ombros, com os pés, com as mãos e com silêncios aos barulhos que nos vão atrapalhando o caminho. Antes fossem pedras! Pelo menos daria pra riscar uma amarelinha no chão e tentar chegar ao céu num pé só.
Ando com desejo de tudo. Uma vontade de comer a vida, pedacinho a pedacinho. Ora devagar e com cautela; ora ávida e com urgência. Vontade de devorar cada palavra, abraço e afago amigo. Mastigar música com as pernas. Saborear as palavras, sentindo cada combinação de sílabas, doce ou salgada. Beber a saliva, o suor, o vinho e a lágrima.
Entretanto há os indigestos e desafetos. E esse feto que (me parece) há em mim, já vem com 32 dentes que rasgam minhas vísceras como um veneno de rato. Já vem com dores e odores que me deixam um tanto enjoada. Volto ao início.
Sinto as contrações e contradições. Vou ali parir uma dor, uma lágrima, uma dúvida. E quem sabe nasça em mim algo melhor.
Sobremesa: "Se não tivesse o amor/ se não tivesse essa dor/ e se não tivesse o sofrer/ e se não tivesse o chorar/ melhor era tudo se acabar". (Baden Powell)
29 de maio de 2007
Pedro perdido esperando o pôr-do-sol
num dia nublado.
Pedro Perdido
Raquel Medeiros
A esperança perdida
num bilhete premiado
permanece pobre pedro lascado
perdido num monte de dívida.
O filho caçula perdido na praia
a mulher perdida no ônibus errado
com bala perdida na cara.
Perdeu até a rima
perder de cabo a rabo
parece mesmo sua sina.
Sobremesa: "Só não vá se perder por aí" (Mutantes)
2 de maio de 2007
*montagem - Leonardo Soares
Lembra do Haroldo?
Raquel Medeiros
Haroldo era um grande empresário. É verdade que existem “muitos” por aí, mas ele sim, era dono de uma grande e bem-sucedida empresa de fraldas descartáveis. “Ninguém quer limpar urina e merda, nem deixar de ter filhos”, pensava ele. E não estava de todo errado. Dinheiro entrando aos montes. Soberba sobrando aos potes.
Haroldo não tinha filhos. Nem os queria, aliás, nada nem ninguém que viesse depois usufruir toda a sua fortuna.
Um dia Haroldo viajava para Petrópolis em sua BMW. O modelo não importa. O que importa é que Haroldo bateu com o carro numa velocidade que era quase impossível acreditar que ele tenha saído com vida. Mas saiu. Paraplégico.
Depois do acidente Haroldo enclausurou-se em sua mansão, num condomínio fechado por ele e só dele. Comprou uma cadeira de rodas que só faltava jogar cartas e passou o resto dos seus dias sendo chupado por putas que ele pagava e xingava, e elas, como vingança, esperavam que ele estivesse próximo do gozo, se distanciavam e ficavam rindo da cara dele. Pobre empresário rico, o Haroldo.
Sobremesa: "Mas problemas não se resolvem/ problemas têm família grande/ e aos domingos saem todos a passear/ o problema, sua senhora e outros pequenos probleminhas". (Paulo Leminski)
Assinar:
Postagens (Atom)