9 de junho de 2005


"Corre e diz a ela que eu entrego os pontos." (Chico Buarque)

*Na foto, Bruno Medina.
*Segue um texto velho que caiu da mudança.

No doce e pretenso desejo de sorver seus lábios
Raquel Medeiros

...ele sente sua presença. Ela se parece perfeitamente com a descrição feita nos jogos artificiais de uma nova tecnologia. Num segundo, os detalhes emergem daquela pálida e minúscula face que ali, a seus olhos, se desnuda. Músculo tenso em clara pele enrubesce. Ela está envolta em conversas e se mostra. Um torso branco de resplendor ímpar. À mostra um pescoço delgado e tenro delineia costas finas de nuanças impecáveis, findando em abstratas formas de ancas talhadas à perfeição.
Majestosa era aquela visão que o enchia de sudorese, afasia e mudez. O objeto de sua ânsia repousa num banco gélido da praça a eles tão afeita.
No Saara que os separava, ardia o sôfrego coração de homem feito – mascarado de imberbe – que, despojado dos desfarces, escondia-se do facho de luz emanado.

Rufam-se tambores – será que o coração dele anda no mesmo compasso? Ilegível aspecto de poesia mal feita, uma carta natimorta.

Empalidece. Seu rosto se confunde com os ladrilhos. Renuncia às idéias de se fazer presente e a ela se apresentar. Agora está só como nunca esteve e entreabre a porta da memória analisando amores que não vingaram. Que permanecem oclusos e emudecidos.
Ele ri. Ri de si mesmo. É um fingidor. Olhando para o lado de fora da sua sala, concebe a noção do sagrado e do profano naquela a quem ama. Rir-se, antes de tudo, da situação que se encontra, do medo generalizado de se mostrar – de ser quem o é.

O que os separava era uma tela. Na espinha dorsal da memória, ele não pudera dizer quase nada. Conservava a impressão de um dia dizer que já não mais se pertence.

A vontade que tinha de possuir, de ouvir seus gemidos, perpassava feito um turbilhão de protuberâncias e miasma desfarçados – crus – eminentes. Pornográficos. Humano. Ele a imaginava despida, em sua casa, desabotoando a saia, revelando o brilho voluptoso dos quadris.
Após o banho, a leva ainda molhada à cama, para ser enxuta num ventilador barulhento; ofuscação dos beijos altos à altura das coxas. Ergue-se o entumecido ventre; e a Vênus, do seu monte, o espia sequiosa. Põe os lábios no umbigo e a percorre sem restrições. Entremeia as pernas e sente a força calculada que imprime à cabeça. Diz-lhe impropérios, enquanto imprime sua marca, com os dentes, em cada mamilo dilatado. Suor, fluídos, esperma perfumam o ambiente, já impregnado de uma áurea mística, com um cheiro forte de um incenso.

As mãos dele são suaves – próprias para contornar seu corpo. E não escapa nada do alcance deste fauno propenso à bestialidade sem par, às carícias despudoradas e à exaustão dos prazeres da carne. E cometem-se todos os barbarismos, no ápice da paixão.
Ele a possui. Ela o retém. À noite, travam-se batalhas e o palco não é mais que o espaço exíguo do quarto. Varam a madrugada e extenuados sorriem, e dormem. Já é tarde e a hora é de despertar, diz ele. Resta-lhe, antes de mais nada, amá-la até o fim. A ela, reserva-se o segredo de ser enigmática, mesmo no gozo.

Sobremesa: "Há de fazer do corpo uma morada/ onde enclausure-se a mulher amada/ postar-se de fora como espada/ para viver um grande amor." (Vinicius de Moraes)

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