2 de agosto de 2010


Edward Hopper, Solitary figure in theater, 1902-04

Das Dores

Invejo a chuva que escorre na janela. O céu chora sem constrangimento quando a angústia aperta. Eu não. Tenho que sofrer sem soluço, sem alarde. Tenho que pagar as contas, ligar pra diarista, fazer a feira e fingir que o rio flui sem turbulência. Tenho que ser forte e distribuir bom dias como se realmente fosse.

A dor pode apontar com aquela música enviada num email, com um trecho do livro aberto ao acaso, com um perfume que caminha dentro do ônibus, num convite, entre o almoço e a sobremesa, na hora que você precisa estar centrada, concentrada.

Mas choro exige entrega, e nem sempre convém. Como evitar o olhar de estranhamento no sacolejo do coletivo, na mesa de trabalho, entre as estantes da livraria?

E vou levando, engolindo o que a essa altura já é mais veneno que desabafo. Uma guerra fria que mata a paciência, o bom humor, o apetite, o sono. E que sangra no travesseiro, encharcado de dúvidas.


Sobremesa: Um táxi, por favor.

5 comentários:

Tyara disse...

O cotidiano massacra, né? Também estou um tanto farta dele. Quel, façamos como Cartola, "disfarça e chora".

leohss disse...

Antes fosse simples engolir e deixar para mais tarde... A gente tem que correr mesmo machucado, manco ou qualquer coisa porque a sensação é que vamos perder o bonde pra sempre...

Queria tá aí contigo! Te amo! =****

Fabiano disse...

Concordo não, oh...!? Sempre vi a chuva como uma coisa boa. Talvez nossos problemas residam no fato de termos desaprendido a tomar banho de chuva; de corremos para aquela biqueira que jorra mais água que as outras e sair correndo pelas ruas de boca aberta. Mas ser adulto tem seu preço.

Café da manhã (pra começar bem):

"[...] Sorri vai mentindo a sua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz".

Charles Chaplin

MMS disse...

Troque a fronha e siga em frente, mas não deixe de dar vazão às suas águas... Coisa melhor para limpar a alma, só mesmo o sorriso. E ainda é lavagem a seco.

*ANA* disse...

Sinto-me assim também, como se a qualquer momento a rotina fosse me engolir e as vezes acho até que não consigo, mais aí acontece sempre alguma coisa que me leva a esperança de um dia ter tempo para minhas dores e meus amores...