11 de janeiro de 2005
Charlie Brown - Andrei Formiga
* Adorei a foto, e o Charlie Brown. Obrigada. =)
Mesmo enrugadas, não haviam mãos tão amadas quanto as dela
Raquel Medeiros
Quando a conheci já vivia sozinha. Filhos casados morando longe. Visitas periódicas no verão, e no Natal. Mas nas segundas-feiras, dias chuvosos e tristes éramos só nós dois.
Era uma mulher de grandes silêncios e de gestos significativos. Eu ouvi seus segredos e ela sempre dizia que eu havia trazido a alegria de volta àquela casa, mesmo quando a sujava depois das brincadeiras no quintal.
E a vida que antes se resumia à lágrimas na sala grande e vazia, agora era contada por passeios, brincadeiras e carinhos ao som da tv.
Os anos foram passando, eu fui crescendo e vendo ela perder cada vez mais o viço da pele e a audição. O volume da tv cada vez mais alto. Eu também já tinha um certo cansaço, e notando o dela, já não subia mais na saia de retalhos, mas demonstrava meu carinho e gratidão balançando o rabo, e pousando minha cabeça em seu colo, quando sentava na poltrona, que de tão antiga, já tinha a forma do corpo dela.
Um dia ouvi um barulho estranho, e ao entrar na sala, lá estava seu corpo, quieto e frio. Seu sangue espalhado no assoalho escuro. Eu latia e uivava num pedido de socorro. Os vizinhos vieram, e no velório a casa estava cheia como nunca. Eu queria que ela estivesse viva pra ver todos os netos correndo pela casa, todos os filhos reunidos, abraçados.
Eu fui pra o meu canto, e senti quando uma mão me fez um carinho solidário. Mas eu sabia... Nada confortaria a ausência dela, nem tiraria a certeza de que um dia seria eu.
Sobremesa: "Irreconhecível/ me procuro lenta nos teus escuros/ como te chamas, breu?/ tempo." (Hilda Hilst)
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