5 de janeiro de 2005
"Ying and yang" - Yuko Shimizu
A toda “não-ação” corresponde uma reação
Raquel Medeiros
De um lado, a sala – mesa, cadeiras, papéis, e ele. De outro, uma máquina fria e ela. Seguia-o com os olhos e com um desejo que não tinha tamanho... aliás, tinha sim – era imenso. Havia desejo demais... gente demais... ele de menos...
Ele saía. Deixava-a a ver navios. Ela mesma se sentia um, ancorada na cadeira, de onde não conseguia sair. Sabia que não era uma embarcação feita pra ficar presa no porto, mas sair dali - naquele momento - era impossível.
Formava-se um grande intervalo entre a saída e a volta dele. Ela esperava e divagava acerca do cheiro dele, da textura da pele, e das tantas possibilidades que aquele conjunto lhe proporcionava. Havia desejo demais... gente demais... ele de menos...
Ela cruzava as pernas na vã tentativa de senti-lo enroscado entre elas. Contorcia-se na cadeira, massacrando o desejo e algumas partes do corpo. O voyerismo era latente, e percebia-se uma certa dose de masoquismo. Nem tinha idéia de como certas torturas podiam ser mais prazerosas que carinhos singelos.
Quando ele voltava, ela seguia - com os olhos e a imaginação - cada centímetro dele. E como cada pedacinho era tentador! Boca, nuca, olhos, ombros... Ele a deixava faminta, sedenta. Havia desejo demais... gente demais... ele de menos...
Ele ia e vinha, passeava na frente dela. Contornava a mesa, sumia. Parecia fazer de propósito, mas não era. E isso a deixava ainda mais instigada. Exasperada pela volta.
Ela queria que ele voltasse, e dissesse que por um decreto, ou mágica, a partir de então, se privariam da coletividade, e se entregariam ao individual. Que a partir de hoje, ela faria morada no corpo dele.
Numa dessas horas em que ele se mostra, ela vê e aperta as mãos como gostaria de apertar o corpo dele... ou abrir o maldito jeans e gozar enquanto sondava o desejo dele...
Não é um desejo manso. Não há acordo de cavalheiros entre a vontade e a impossibilidade. São dias de febre. De fome e sede. Mas ela não pode fazer nada, a não ser esperar... outro dia de tortura... ou o esperado dia do banquete...
Há desejo demais... gente demais... ele de menos...
Sobremesa: "E existindo o desejo/ a gente começa a se desorganizar/ a pôr amor onde existe a turbulência/ porque a desordem é o imperativo do amor/ e eu que não sei se o amor é também a necessidade que se tem de instaurar a ordem no corpo." (Nélida Piñon)
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