12 de maio de 2005
"Para que apaguem-se bruscos as marcas do meu sofrer" (Ana Cristina Cesar)
Do it yourself
Raquel Medeiros
Deitada, alma e olhar tristes. Nicole sentia-se incompetente. Nem morrer conseguia.
Um dia comprou um desses manuais para suicidas. Das opções oferecidas as únicas que lhe atraiam era cortar os pulsos, e tomar uma quantidade imensurável de remédios.
Um domingo qualquer.
Nicole decidiu que cortaria os pulsos. Tão dramático todo aquele sangue sujando o banheiro. Era clichê, ela também achava. Mas estaria morta, o que importaria depois?
Pegou a gilete, olhou o manual pra ter certeza de que faria o corte da maneira certa, mas olhou para os seus pulsos e parecia que as veias haviam fugido. A pele pálida e fria que até parecia morta. Todo o sangue passava longe dali. Perdeu a vontade. Desistiu.
Um outro domingo qualquer.
Nicole resolveu que dessa vez seria com remédios. Não falharia. Nada de pulsos pálidos. Não precisaria de sangue. Achava que esse tipo de suicídio tinha o seu glamour. O corpo caído com o melhor vestido. Os vidros de remédios vazios, um deles solto da mão, num braço esticado. Morto.
Foi até o banheiro. Não havia criatividade na escolha do lugar, é verdade. Mas e daí? Há alguma originalidade em se morrer dormindo? E mesmo assim tanta gente não deseja morrer assim?
Olhou-se no espelho e achou aquele rosto pouco familiar. Parecia outra pessoa. Não era a Nicole de antes. Parecia desfigurada. Desistiu. Suicídio tudo bem, mas daí a virar assassina era outra história. Passou o dia vendo fotos antigas, tentando reconhecer aquela que vira no espelho.
Deitada, alma e olhar tristes. Nicole não sabia. Mas estes já eram sinais de morte.
Sobremesa: "Quando eu morrer/ anjos meus/ fazei-me desaparecer/ sumir/ evaporar/ desta terra louca/ (...)/ para que eu não fique exposto/ em algum necrotério branco/ para que não me cortem o ventre/ com propósitos autopsianos." (Ana Cristina Cesar)
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