29 de março de 2006
"Morena dos olhos d'água, tire os seus olhos do mar
vem ver que a vida ainda vale o sorriso que eu tenho
pra lhe dar". (Chico Buarque)
Jazz me blues
Raquel Medeiros
Todo mundo sabe o que é se sentir só
Alguns sentem mais que outros
Outros fingem mais que alguns.
Solidão é blues sem blue
É pendurar no varal a roupa do amor morto
Com a esperança de que o vento seque a roupa
E traga para o tecido vazio um amor novo
É ver a noite desfilar insana e destilar insônia.
Todo mundo sabe o que é chorar
Alguns choram por falta de saúde
Outros por excesso de saudade.
Choro é jazz que jaz
É desidratar enquanto rega as plantas
Com a esperança de que a água que hidrata ali
Não maltrate, não mate a vida que corre aqui
É chuva que dia de sol nenhum consegue secar.
Hoje é dia de ser só
É dia de chorar
Um sorriso negado
Um recado atrasado
Um nó muito apertado
Um samba cantado em dó.
Com o coração nublado
E na falta de alento
Acendo um cigarro e sento
E sinto que sinto tanto
E que hoje tenho na solidão e no pranto
O meu fado.
Sobremesa: "A vida da gente é mistério/ a estrada do tempo é segredo/ o sonho perdido é espelho/ o alento de tudo é canção/ o fio do enredo é mentira/ a história do mundo é brinquedo/ o verso do samba é conselho/ e tudo o que eu disse é ilusão". (Paulinho da Viola)
16 de março de 2006
"Life is what happens to you
while you're busy making other plans."
(John Lennon)
Escritas da memória
Raquel Medeiros
Sabia que não devia ficar lembrando certas coisas. É tirar casca de ferida. É apertar o lugar da pancada. É colocar sapato apertado no pé calejado. É masoquismo intencional.
A cidadezinha onde cresceu não era muito habitada. Algumas casas pequenas; outras grandes. Casas amarelas, brancas e até azuis. Mais entre elas sempre havia uma árvore, um espaço por onde o vento passava. Por onde o vento passeava.
A menina cresceu e precisou sair de lá. Foi um choro, um sofrimento. Masoquismo necessário. Era hora de crescer, de amadurecer. Mas da mamória, o que não saía era aquele vento, a sensação de liberdade, de leveza e de vida em todas as direções.
Longe, fez o que tinha que fazer - conquistou coisas: trabalho, amor, sofrimento, amizades e desafetos.
Um dia sentiu tantas saudades, apertou tanto a ferida, que ficou sem ar. E o pulmão sufocado pediu pra voltar. Quando chegou na cidadezinha, não havia mais vento. As pessoas tinham construído casas tão altas que parecia que queriam morar no céu mesmo antes de morrer. Curioso é que também construíram um quadrado que as trazia de volta para o chão. Eram dezenas na mesma grande casa vertical, mas poucas delas se conheciam.
O masoquismo inevitável do progresso construiu uma barreira contra o vento. E a menina, agora mulher, precisou construir uma barreira contra a saudade, pra não morrer por falta de ar.
Sobremesa: "A gente vive a fazer anacolutos, pra que as metáforas não se desenvolvam e se transformem em bombardeios sem nenhum eufemismo". (Raquel Medeiros)
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