28 de abril de 2005


Alguma coisa que me alimente e me sustente.

* Obrigada pela foto, João. :)

Nas pálpebras cansadas, o peso das dietas fracassadas
Raquel Medeiros

Os dias me vêm sendo servidos assim como uma sopa rala. Sem carne e sem sal. Sem cor e sem graça.
Tomo colheres cheias e o prato não esvazia. Mas não enche. Não preenche. Não sacia.
Olham pra mim e dizem que eu preciso ganhar peso. Ah, se soubessem o quão pesada me sinto, o quanto penso que meu corpo é pequeno e pouco pra tanta coisa. Mas não há balança pra sentimentos, pra contratempos. Não há lugar onde a gente ponha os pés e o ponteiro indique que você precisa perder 3 quilos de tristeza, 6 de preocupação e 5 de desassossego.
“Me fale, doutor, o que preciso fazer pra ter a paz de volta?”
Ele me responde que é assim mesmo. Tem que ser sofrimento intensivo, doses diárias de reflexão – pra não se perder de si, nem dos outros; descanso e sonho.
“Sonho, doutor? Eu não tenho sonhado muito. Eu sequer consigo dormir.”

Sobremesa: "Ora sim, ora não, creio em parto sem dor/ mas o que sinto escrevo/ cumpro a sina/ (...)/ minha tristeza não tem pedigree/ já a minha vontade de alegria/ sua raiz vai ao meu mil avô/ vai ser coxo na vida é maldição pra homem/ mulher é desdobrável/ eu sou." (Adélia Prado)

22 de abril de 2005


"A coisa em si, nunca: a coisa em ti." (Mário Quintana)

Para ela o verde não trazia esperança. Só medo.
Raquel Medeiros

Era muito criança e os medos eram poucos. Não eram poucos, na verdade, mas tinham seu encanto, misturavam-se à curiosidade e ao atrevimento que lhe eram peculiares.
Tinha muito medo daquele seriado, O Incrível Hulk. Assistia sempre.
Não entendia muito bem a história, mas esperava avidamente a hora da transformação – a roupa rasgando, a pele esverdeando -mas quando chegava a hora de mostrar a face transformada e furiosa do personagem, ela corria pra debaixo da cama. E ficava lá, até sentir que ele resolvera seus desafetos e voltara à forma humana. Tudo isso pra esperar a próxima transformação. Sempre assim. Todas as tardes.
Agora é uma mulher. Seus medos são outros. Ainda guarda a curiosidade e o atrevimento característicos, mas sente falta de ficar embaixo da cama quando o medo chega ao ápice. Eles agora aparecem a qualquer hora do dia. E desde que começou a dormir na rede, não há mais cama pra se esconder.
Não tem mais medo do Hulk, agora acha até engraçado, ridículo. E torce para que os medos de agora lhe provoquem risadas depois.

Sobremesa: "Tinha que ser dor e dor/ esse processo de crescer/ tinha que vir dobrado/ esse medo de não ser/ tinha que ser mistério/ esse meu modo de desaparecer." (Paulo Leminski)

19 de abril de 2005


Me revolta a falta. Me consola a volta.

*Na foto - Rodrigo Amarante.

Descrição de um quarto qualquer
Raquel Medeiros

Este é o quarto. Aquela é a escrevaninha, onde busco palavras, onde enceno rimas pra te fazer voltar.
Aqueles são os livros. Pobres páginas, tantas banhadas por lágrimas, poucas por risadas. Já nos traduziram tanto que hei de um dia juntar frases soltas, de cada um deles, para escrever nosso próprio livro. Repetido e infalível, como todo amor.
Ali estão meus discos. Me traduzem dispersos, trazendo na melodia e nos versos, o teu instrumento que insisto em tocar; o meu sentimento que não consigo cantar.
E agora que estás aqui, já não quero essas tantas coisas.
Só quero esta cama. E que tu faças morada nos meus desarrumados e inquietos lençóis.

Sobremesa: "Se tudo soubesses como é triste/ eu saber que tu partiste/ sem sequer dizer adeus/ ah, meu amor tu voltarias/ e de novo cairias a chorar nos braços meus." (Vinícius de Moraes)

15 de abril de 2005


"Que tolo fui eu que em vão tentei raciocinar
nas coisas do amor que ninguém pode explicar."

"Chega mais perto, moço bonito
Chega mais perto meu raio de sol
A minha casa é um escuro deserto
Mas por você ela é cheia de sol
Molha a tua boca na minha boca
A tua boca é meu doce é meu sal
Mas quem sou eu nessa vida tão louca
Mais um palhaço no teu carnaval."

Sobremesa: "A felicidade é como uma gota d orvalho/ numa pétala d flor/ brilha tranqüila/ depois d leve oscila/ e cai como uma lágrima d AMOR." (Tom Jobim)

12 de abril de 2005


Tomer Hanuka

Nature boy
Eden Ahbez

There was a boy,
A very strange, enchanted boy,
They say he wandered
Very far, very far
Over land and sea
A little shy
And sad of eye,
But very wise was he
But then one day,
One magic day,
He passed my way
And while we spoke
Of many things,
Fools and kings,
This he said to me:
"The greatest thing
You'll ever learn
Is just to love
And be loved in return".

Sobremesa: "Não acabarão nunca com o amor/ nem as rusgas/ nem a distância/ está provado/ pensado/ verificado/ Aqui levanto solene minha estrofe de mil dedos/ e faço o juramento/ amo firme, fiel e verdadeiramente." (Vladmir Maiakowski)

11 de abril de 2005


Barba e Camelo

A falta de fome a deixava mais magra, mas não diminuía o peso
Raquel Medeiros

Perdeu o doce o salgado. Perdeu a poesia e a prosa. Não sobrou muita coisa – só o amargo do choro engasgado.
Aquele choro amargava mesmo – construía olheiras e doenças que ao contrário do que se possa pensar – não davam charme à tristeza. Só dor.
Não sabia rezar. Nunca soube. Mas nunca desejou tanto que existisse realmente alguém capaz de fazer tudo desaparecer. Tudo não-acontecer.
Não existe... sabe que não. E Deus? Ele adora brincar de “pega-pega” com seus títeres. E ela, só mais um deles.

Sobremesa: "Eu que já não sou assim/ muito de ganhar/ junto as mãos ao meu redor/ faço o melhor que sou capaz/ só pra viver em paz." (Los Hermanos)

6 de abril de 2005


Que em breve a alma volte a ser leve.

Quem me de longe olhe
Pedro Guedes Amaral

Quem me de longe olhe
distraído, lendo
e não colhe
meu olhar
que inquieto se descobre
não sabe

o quanto quer ser colhido

em olhos ternos
que não sejam, como escudos,
convexos,
mas côncavos, como colos.

Sobremesa: "Quero um dia para chorar/ dia de desprender-me dessa aventura mal entendida/ sobre os espelhos sem saída em que jaz minha face impressa/ chorar sem protesto/ chorar." (Cecília Meireles)