31 de janeiro de 2012


tiny dancer in my hand


Marilyn de Warhol


Caixa de lembranças em mãos. Estava disposta a rasgar tudo, queimar pedaços pequenos até que virassem uma poeira leve, porque eu me sentia leve. Que engano.
De repente encontro os olhos da Marilyn. Eles me seguem, cercam. Um mistério de pássaros livres escondidos embaixo da pálpebra, trazendo no bico uma chuva de papéis picados, coloridos por nós.
Eu me perco sem volta. Ponho a caixa de lado e me concentro nem sei mais em quê. Impossível esquecer aquelas linhas onde tantas vezes conseguimos desenhar uma ponte. Agora, embaixo dela, mora uma água turva, parada. Em mim, mora uma vontade de aterrar tudo, pra não acumular mosquito e pra evitar que vez ou outra eu queira pular e nadar sem rumo.
Os seus olhos também se perdem, longe dos meus. Tento ler se ela sabe que são certeiros, infalíveis, mesmo quando escapam.
Eu não consigo escapar e à noite evito encará-los, pois não me deixam dormir.


Mais um gole de vinho e ela continua inteira. Já eu, tenho três rasgões no peito.

4 de outubro de 2011




15 segundos

Você descendo da calçada, olhar reto atrás dos óculos escuros, fingindo que não me vê. Nos encontramos no meio da faixa, como aquelas pessoas que, tentando desviar, acabam esbarrando sempre no caminho um do outro. Inevitável que nossos olhos se encontrem mesmo entre lentes. As buzinas gritando nossos nomes, enquanto não nos damos conta de que o trânsito não espera.
O sinal fechou e não era você do outro lado. Segui em frente, olhar fixo na avenida. E o pensamento distante, preso no tempo e no espaço que você atravessa.


Sobre a mesa: "Não consigo um sim ou um não de seus olhos no tempo que dedico a eles. Muito nervoso, eu me sento, levanto, sento, ela continua de pé explicando outras coisas". (Jack Kerouac, Tritessa)

31 de agosto de 2011


"Seja sorte ou azar nascer nesta terra,
a melhor maneira de nela passar a vida é se deixar levar".
(Milan Kundera)


Todos os rios levam à sua boca


turvo
olhar fundo
rio grande
o desejo
lago
largo
e profundo.

Sobremesa: "Além disso quero-te, e faz tempo e frio". (Julio Cortázar)

17 de fevereiro de 2011


Se você disser que eu desafino, não faz a mínima diferença.


Sun is shining


Um monte de roupa suja, e eu querendo tocar violão. Tu bem sabes que não sei, mas fico brincando, acho bonita a leveza que brota na rigidez das cordas.
O som que sai dos meus dedos não é harmonioso e tem uma desafinação que só eu consigo fazer, apesar de João Gilberto ter ganhado toda a fama no meu lugar.
Fiquei ouvindo aquela música repetidas vezes e pensando adoro essa letra mas não é desse jeito que eu sinto. Cantando lá, chorando dó, afinando em mi e pra ti, fui me entregando devagarinho, ignorando as buzinas, os freios, a pressa, o vizinho que fechava a janela. E numa tarde de verão, roubei o sol que brilhava.
Desculpa, mas o Bob fez essa música pra mim.

Sobremesa: "Sun is shining, the weather is sweet/ make you want to move your dancing feet/ to the rescue, here I am". (Bob Marley)