2 de agosto de 2010


Edward Hopper, Solitary figure in theater, 1902-04

Das Dores

Invejo a chuva que escorre na janela. O céu chora sem constrangimento quando a angústia aperta. Eu não. Tenho que sofrer sem soluço, sem alarde. Tenho que pagar as contas, ligar pra diarista, fazer a feira e fingir que o rio flui sem turbulência. Tenho que ser forte e distribuir bom dias como se realmente fosse.

A dor pode apontar com aquela música enviada num email, com um trecho do livro aberto ao acaso, com um perfume que caminha dentro do ônibus, num convite, entre o almoço e a sobremesa, na hora que você precisa estar centrada, concentrada.

Mas choro exige entrega, e nem sempre convém. Como evitar o olhar de estranhamento no sacolejo do coletivo, na mesa de trabalho, entre as estantes da livraria?

E vou levando, engolindo o que a essa altura já é mais veneno que desabafo. Uma guerra fria que mata a paciência, o bom humor, o apetite, o sono. E que sangra no travesseiro, encharcado de dúvidas.


Sobremesa: Um táxi, por favor.