23 de agosto de 2006
"É que há em mim agora uma dor profunda específica,
com tantas facetas quanto os olhos de uma mosca, e
devo dar à luz essa monstruosidade de modo a ficar
novamente leve" (Sylvia Plath)
Carta à Annabel
Raquel Medeiros
Annabel,
Em cada linha sua sinto o fardo de carregar o pouco peso do corpo e a obesidade da alma. O sono que não chega e o cansaço que não sai. A vontade de desistir maior que a necessidade de lutar.
Mas a guerra não termina até que se contem os mortos (que os enterrem!), que se cuide dos feridos e se cure as feridas.
Não consegue escrever. Não consegue ouvir música. Não consegue passar do primeiro capítulo do livro. Não consegue achar o significado no dicionário. Tantos já te traduziram, Annabel, mas nenhum deles te consola. Nenhum deles sente exatamente como você.
A vida é corrida de obstáculos. É salto mortal. É um nado nem sempre sincronizado. Nos pés, os calos. Nos olhos, enchente. Mas no teu jogo sem treino ainda há tempo de tentar se equilibrar na barra. De vencer a maratona com um único pensamento - um passo de cada vez.
Você me preocupa, Annabel. Coma, mesmo que a sopa esteja rala. Beba, mesmo que o café esteja frio. Levante, mesmo que a apatia se vista de gravidade.
Assuma a maternidade de suas virtudes e defeitos. Alimente o primeiro e eduque o segundo. Mas não seja ausente de si, Annabel. Não deixe de ser.
Sobremesa: "As ruas estão tristes, Annabel/ a marchinha de carnaval acompanha o funeral do teu corpo vivo/ não morra na véspera/ não faça a (in)digestão antes mesmo de comer/ resista, Annabel/ não desista". (Raquel Medeiros)
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