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Sem fantasia
As(minhas) mulheres de Chico
Raquel Medeiros
Na segunda sou uma
Das minhas meninas
Já saio sozinha
Como as notas
Da canção
Levo meu destino
No trabalho-fardo
Iluminado de sim
Atrapalhado de não.
Na terça sou
Tereza Tristeza
Do cotidiano
Sem solução
Tire meu lugar
Da mesa
Que o enjôo
É gritante
E o carnaval
É dia distante.
Na quarta sou
A Rosa
Saio pra comprar
Cigarro
E volto sorridente
Mas da alegria
Sou passageira
A ficha cai ligeira
Quando a santa
Troca meu nome
E some com meu sono.
Na quinta sou
Cecília
Invejo a orquestra
Afinada
Respiro pouco
E soletro l-o-u-c-o
Na madrugada
Na insônia desvairada
Mil refletores
E nada de amores
Pra me fazer
De morada.
Na sexta sou
Ana de Amsterdam
Da compra, da venda
Da troca de pernas
Da cerveja gelada
Da seda e da risada
Carta marcada
No jogo da sorte
Às vezes dou azar
O ardor das docas
Na boca do mar.
No sábado sou
Bárbara
Desesperada e nua
Na esperança de ser tua
Quando a noite chegar
Agonizando uma
Paixão vadia
Feito uma hemorragia
Vem buscar minha boca crua
E morde como carne tua.
No domingo sou
Beatriz
Moça triste
Pintada de atriz
Andando com os pés
No chão
A felicidade
É uma amarelinha
Feita de giz
Mas vem a chuva
E apaga o céu
Na véspera da segunda
A alegria é de papel.
Sobremesa: "Eu quero te contar das chuvas que apanhei/ das noites que varei no escuro a te buscar/ eu quero te mostrar as marcas que ganhei/ nas lutas contra o rei/ nas discussões com Deus/ e agora que cheguei/ eu quero a recompensa/ eu quero a prenda imensa dos carinhos teus". (Chico Buarque)