21 de agosto de 2007
"I know I stand in line until you think
you have the time to spend an evening with me"
Something stupid – Nancy Sinatra
Jogo
Raquel Medeiros
Eu aqui tentando escrever sobre antropologia e ele sai com essa. “Vamos jogar...”. Eu precisava terminar o capítulo, pelo menos o parágrafo. Fiz de conta que não ouvi e que não queria. Mas ele me conhece e insistiu. “Vamos jogar...”. Eu abandonei o parágrafo e o Lipovetsky e sentei na frente dele. “O que você quer jogar?”, falei num tom desafiador. Ele me olha dizendo que minha tática não vai funcionar, desconfio que ele sabe exatamente o que fazer e tem uma certeza irritante de que eu vou gostar. Confesso que adoro quando ele me deixa assim, me excita ainda mais.
- Então, esse jogo não vai começar?
- Já começou. Diz ele.
Ainda não entendi bem qual o jogo, mas antevejo o intuito e gosto. Deixo-me levar pelas cartas que ele tem na manga, e alguns territórios já começam a ser tomados. Eu reluto, sem muito afinco. Ele é um ditador e me castiga por não obedecer as suas ordens. Admito que ele fica ainda mais charmoso na fantasia de carrasco.
Agora que já conheço o jogo, tento inverter os papéis e consigo. Ele me olha com surpresa e com uma felicidade que ele não admite, mas sente. Provoco batalhas, verdadeiros bombardeios em todos os nossos sentidos. Agora estamos de igual pra igual. Uma guerra declarada, o inferno. O calor é tão grande que o mundo evapora, o tempo se desfaz em relógios que derretem como uma pintura de Dalí. Surreal, mas, sobretudo humano. Exaustos, sorrimos ao final de um duelo sem perdedor.
Venho para o computador, e enquanto escrevo esse texto, ouço sua voz rouca entre um gemido e outro, acabando de acordar. “Vamos jogar...”.
Sobremesa: "O amor é o único jogo no qual dois podem jogar e ambos ganharem”. (Erma Freesman)
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