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13 de junho de 2008


morning sun - edward hopper

Para L., com carinho

Tem dias que acordo tão descrente. Não acredito no ‘bom dia’ das pessoas, nem se as nuvens no céu são de chuva. Descreio que Deus exista e que esteja olhando pra mim e por mim lá de cima (logo eu, tão miudinha...). Duvido da preocupação das pessoas no trabalho com a minha saúde. Às vezes sou como São Tomé. Às vezes nem vendo acredito.
Mas o sol arde lá fora e eu sinto na pele. A saudade produz lágrimas e eu sinto no embaço na vista. A dor está aqui, eu sinto no peito. Em isso tudo eu acredito. Às vezes mais do que devia. Mais do que queria.
Hoje eu me senti tão próxima de uma pessoa querida. Pessoa que não vejo há tempos, mas que o meu carinho não diminuiu com a distância e os obstáculos rotineiros. Sinto na alma.
Ela escreveu um texto sobre a perda recente do avô. Mas não escreveu com caneta de lamúria. Isso que mais me tocou. Um texto tão bonito, falando de música, de brincadeira, da mágica que acontece entre avós e netos. Senti a vista embaçar, o peito apertar e uma vontade enorme de dar-lhe um abraço.
Tem dias que eu acordo tão descrente. Mas uma flor, uns sentimentos traduzidos em palavras, pessoas de carne, osso e coração, me fazem acreditar que nem tudo está perdido, a gente é que se perde às vezes. Bom mesmo é se encontrar.

Sobremesa: “A cada mil lágrimas sai um milagre”. (Alice Ruiz)

20 de fevereiro de 2008


"Um homem com uma dor é muito mais elegante
caminha assim de lado, como se chegando atrasado
andasse mais adiante". (Paulo Leminski)


Minha vida sem mim

Raquel Medeiros

Amigo,

Sei do que passas e me falas. Aqui do outro lado não é diferente. Mudam as perdas, a temperatura do dia e as aflições cotidianas. No mais, acordo toda manhã com o pensamento de que está tudo bem – desejando com todas as forças (que às vezes perco no decorrer do dia) que fique mesmo tudo bem.

Te falei que sempre descubro outras de mim. È como uma pequena morte. Importa que não nos esqueçamos de que(m) sempre fomos e somos. O que me preocupa é a constatação de que o livre arbítrio não é tão livre pra nós.
Nessas horas é melhor pensar que sempre morremos um pouco pra nascermos melhores. E nesse caso, um ciclo se cumpre. Não vasculhe as xícaras quebradas que já não te servem café como antes. Guarde na caixa das coisas antigas, que ganham beleza por não estarem inteiras. O inacabado tem lá seu charme quando nos convencemos de que não foram mesmo feitos para ter um fim.
Já o começo - sempre difícil – traz de um lado a inabilidade de aprender a andar, pensar, escrever, sentir. De outro lado, traz a novidade, o olhar voltado para dentro e para frente. Adiante e avante, amigo!

Isso tudo aqui pode parecer palavra que sai fácil. E saiu, pois desta vez não sou eu quem sai do casulo depois de uma turbulência. Sei que estás um tanto perdido, confuso e armado até os dentes com uma faca cega. Entendo perfeitamente.
Quando isso me ocorre, eu tomo um café, acendo um cigarro – sei que não és deste vício – e ouço alguma música numa voz feminina, como um aconchego uterino. Um lugar quente e seguro, de onde meu novo eu sai e sofre com o frio. Mas o sol arde lá fora. Enquanto estivermos vivos, amigo, há sempre a redenção.

Para Diego.

Sobremesa: "Coisa dolorosa feita de barro e poeira/ o homem no seu quarto, de noite, pelejando pra escrever no papel/ com lápis, nó e tropeço, a dor do seu peito."(Adélia Prado)

24 de janeiro de 2008


Room by the sea - Edward Hopper 1951

Eu que não esqueço
Raquel Medeiros

Eu não passo naquela rua do Cabo Branco sem lembrar do seu all star verde, das suas malas de madeira, dos retratos e desenhos em preto e branco, das viagens em terra, das descidas até o chão, dos goles, das risadas, dos abraços, das lágrimas, do pão de queijo, de ver o sol descer e a lua nascer do alto do prédio, do cheiro de incenso, da imagem de São Francisco de Assis, do aparelho de dvd que nunca funcionava, das mulheres de Chico, da angústia de Clarice, do cinzeiro-ninho das nossas fobias, dos tragos debaixo do jambeiro, das xícaras de café com açúcar, afeto e um silêncio cúmplice, do banho de mar-que-afasta-uruca que nunca tomamos e dos encontros e desencontros dos quais não escapamos.

Eu sinto tanta saudade que a memória às vezes falha, e cria histórias que não contamos e fatos que não vivemos.

Eu não passo naquela rua do Cabo Branco sem lembrar de mim.

Sobremesa: "Once there was a way, to get back home". (The Beatles)