10 de janeiro de 2005


Portrait of Emily - Joe Sorren

A solidão é senhora
Raquel Medeiros

- Descreve o cheiro do teu amor, Maria.
- Acho que não consigo... mas posso tentar...
Maria fechou os olhos, e como se não houvesse mais ninguém naquela sala, desatou a falar:
- É cheiro de tarde com poesia, com beijos dados à frente de casas de portões pequenos. É cheiro de saudades e vontades que não têm fim...
É cheiro de verdades ditas no silêncio, e nas tantas reticências que saem dele e refletem em mim...
É cheiro que provoca essa eterna procura por sílabas e rimas. Mas amor não tem forma, nem métrica.
Descrever o cheiro dele assim, sem tê-lo, assumo que vou fracassar... desistir... Pois sua ausência não me traz nenhum alento, ao assustador movimento de pensar e não tocar... de escrever e não sentir...
Só sei que tudo o que eu queria agora era o cheiro dele... sentí-lo em longas paradas na nuca...
Ah, releve a incapacidade de descrever...é uma maldade ficar lembrando do cheiro... do gosto... dele...
Por hora, essa é a melhor definição que consigo fazer...
Quando abriu os olhos, não havia mais ninguém na sala, mas o cheiro dele estava espalhado por todo o lugar... Há muito tempo ela não sentia... Essa era a segunda sessão de terapia, desde a morte do Fernando. Depois disso, Maria não voltou mais pra terapia... nem pra casa...

Sobremesa: "I seem to lose the power of speech/ you're slipping slowly from my reach/ you grow me like an evergreen/ you've never seen the lonely me at all/ (...)/ without you I'm nothing." (Placebo)

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