16 de fevereiro de 2005


That makes my neck numb - Yuko Shimizu

Game over
Raquel Medeiros

Primeiro tempo. Sete da manhã. Ônibus para o trabalho. Sempre lotado, mas era divertido. Ele adorava escolher uma daquelas mulheres e observá-la. Não precisava ser bonita, mas tinha que ser morena e gostosa.
Naquela manhã, estranhamente, ele fitou os olhos numa magricela que estava sentada uns dois bancos à sua frente. Não conseguia tirar os olhos dela. O jeito que ela mexia os cabelos, a displicência com que olhava os passantes na rua. Dava a impressão de que não desceria nunca daquele ônibus; que a intenção era só estar em movimento sem, necessariamente, movimentar-se. O trajeto e o destino pouco importavam.

Segundo tempo. Desceu a velhinha. Desceram os meninos fardados. O cego desceu reclamando das míseras moedas que haviam lhe negado. O assento ao lado dela fica vazio. Ele hesita. Hesitar? Nunca foi disso. Respirou fundo e sentou. Olhou rapidamente e sentiu um frio na barriga.
Ali acabava o jogo. Dessa vez ele não marcou nenhum gol. E o frio na barriga... aquela mulher magra e aparentemente sem nenhum atrativo, era sua irmã. Catorze anos sem vê-la e agora estava ali, ao seu lado. Poderia falar qualquer coisa, mas não teve coragem. Levantou, pediu parada e desceu. Mas sabia que era ela, pois sentiu uma vontade imensa de abraça-la e aquele sinal no canto do olho esquerdo era inconfundível.

Sobremesa: "Eu não quero falar contigo/ eu gosto é de pensar em ti quando estou sentado sozinho/ ou acordado à noite sozinho/ Eu te esperarei/ não tenho dúvida alguma de que vou te encontrar ainda/ E terei cuidado dessa vez para que não te perca." (Walt Whitman)

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