15 de dezembro de 2006
Depression 1 - Yuko Shimizu
Domênico Silva
Raquel Medeiros
Escrevo diante da janela aberta. Os tímidos raios de sol das primeiras horas do dia criam um leve contraste com o verde-lodo do prédio. Apartamentos apertados e fedorentos. Gritos, gemidos e garrafas quebrando são a trilha sonora da madrugada. Por isso só consigo escrever a essa hora do dia. Hora em que a maioria dorme.
Moro sozinho. De vez em quando minha mãe me visita. sabe como é, filho único... Reclama da minha bagunça e do meu cigarro; da minha barba mal feia e do queijo mofado. Reclama e joga na minha cara os arranhões nos seus joelhos, frutos de suas orações, de centenas de contas de rosário repetidas fervorosamente ao longo desses meus quase quarenta anos. Ela era uma vítima. Sempre foi. Primeiro de Deus; depois do meu pai. E agora, do único filho.
Eu sempre quis escrever sobre outras coisas. Coisas belas - o canto dos pássaros no verão, a sensualidade discreta das escolares, amores bem-sucedidos. Mas o que me era servido como inspiração eram vizinhos barulhentos e asquerosos, e uma mãe que parecia carregar consigo as chagas de Cristo.
Eu até conseguia enxergar meu único livro acabado, empoeirado e abandonado na prateleira de uma livraria vagabunda. Livro curto, dividido em três capítulos.
A Patética Vida de Domênico Silva.
Primeiro capítulo: Filho céptico de de mãe devota.
Segundo capítulo: Como conseguir tirar inspiração do lodo.
Terceiro capítulo: Aqui jaz Domênico Silva, carrasco da própria mãe.
Sobremesa: "Sobre meus ombros semeiam centenas de tempestades/ como se o mundo fosse um campo crivado de espadas/ Minha alma aplaude/ 'destruam esse corpo/ essa casca inimiga que me consome/... jaula de muitos metros...'/ que desfrutem, tudo/ e dancem seus rituais sobre minhas costelas". (Marina Ráz)
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