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11 de agosto de 2009


às vezes eu não sei quando é chuva ou quando é choro.

Acordar

Sonhar com você no inverno
é como aguçar a saudade
é como temperar com pimenta moída
e em seguida secar as lágrimas
com as mãos ainda sujas.

Ardência que chuva nenhuma ameniza
vontade grande e grave.

Te escrevo cartas com perfume e música
e os barcos que construo com elas
descem as ruas sem encontrar teu porto
à deriva, sigo esperando o verão.

Sobremesa: "Sossegue coração/ ainda não é agora/ a confusão prossegue/ sonhos a fora". (Paulo Leminski).

5 de maio de 2009


O céu de Belo Horizonte depois de uma manhã
de muita chuva, relâmpagos e trovões.


Aristóteles,

Já faz tanto tempo... acho que enferrujei. Desaprendi.
2008 foi um ano de ponderações. Meses de vai-e-vem, de puxa-encolhe. Meses de alegria intensa, mesmo no trabalho desgostoso. Meses de uma tristeza imensa, que insistia em andar espremida na minha bolsa, para todo canto. Dores acentuadas, falta de apetite, insônia.

Eu penso demais. E fui descobrindo aos poucos que isso também dói.

Uns dias eu quis ser outra – menos ansiosa, teimosa. Mais tolerante e serena.
Uma paralisia no meio de tudo isso me fez pensar que é preciso parar (sem trocadilho). Mastigar bem ajuda a digestão. Olhar com calma diminui o erro.

Rir mais, sem reserva. Chorar mais, sem vergonha. Ser feliz sem culpa.
É preciso amar mais, antes que o amor acabe.

E as alegrias também foram muitas. Aprendi muito – isso nem sempre é ser feliz. Mas aprendi coisas importantes e que estavam escondidas no embaço da vista, pelo cotidiano, pela luta diária pra levantar, pela espera.

Amigo, talvez eu tenha estado mais ausente da mesa do bar, da platéia. Mas é que a vida andava tão boa na sala dos amigos, no meu sofá, nos meus discos e livros, nos braços dele.

Perdi uns jogos, ganhei malícia para outros. Saber deixar é tão importante quanto lutar pelo que deve ficar. Deixei muitas coisas. E tenho lutado diariamente por outras.
E é tão bom ver a vida seguir. Meu sobrinho nasceu, uma semana exatamente antes do Natal. E eu que sempre ficava melancólica e um tanto cansada do ano, dessa vez me vi mais leve. E com uma esperança boa – mesmo que às vezes tola – no peito.

A vida segue Aristóteles, e isso independe se você corre com o rio ou fica à beira contemplando a vida alheia. Então, se é assim, quero ser sujeito, correr junto com o leito, me deixar levar, me deixar ser. Não me interessa a vida alheia. Aprendi que se houver felicidade à minha volta – aos meus e aos outros – cada um cuida de si. Porque a gente começa a desejar o mal alheio quando tem muito dentro da gente, num ato desesperado de disseminar o que a gente não consegue se livrar.
Eu quero mais é ser feliz. E chorar, e ficar cabreira, mas no fim do dia ouvir minhas músicas, olhar o meu bem e ser feliz. E desejo isso pra você também.

Sobremesa:

14 de outubro de 2008


Campden Hill- Bill Brandt, 1947


This song's like a lost ship at sea


Sua carta soou como uma brisa depois de um dia exaustivo, calmaria depois de tanto solavanco em ônibus velho.
Acabo de chegar da labuta que me devora. Sinto estar tão cansada, entediada e sem um trocado para te enviar um mimo que seja. Adorei os biscoitos. Vieram a calhar num jantar que não tinha o encanto do apetite nem a presença de um par. Guardei alguns para depois. Estou só amigo, como nunca.

Hoje me deparei pensando nos planos que fiz outrora, no que eu ingenuamente chamava de sonho, e que hoje não passam de lamentos em noites ébrias, pensamentos tão distantes que parecem histórias de antepassados, de vidas passadas, de um filme antigo.
A vida aqui anda lenta. Tento – todos os dias – acordar com bons pensamentos, ser gentil com os estranhos e compreensiva com os próximos. Mas como é difícil estar feliz consigo, olhar-se no espelho e não ter a sensação de que algo se perdeu no caminho. Às vezes me arrumo, me pinto e saio por aí fantasiando encontros felizes. Um gole depois outro. E no fim da noite – uns trocados a menos e um desequilíbrio a mais – estou mais triste que antes.

Sinto vontade de chorar quando penso em tudo isso, e evito o quanto posso, mas nem sempre consigo. Estar tão só não ajuda muito, fico aqui rodeada de pensamentos e roupas sujas. Uma preguiça de por tudo em ordem. Uma incapacidade de ser melhor.
Preciso ir amigo. Estou muito cansada de tudo para te dizer algo além. Minhas pálpebras pesam como chumbo – nuvens carregadas prestes a chover. Outro dia te escrevo mais, quem sabe notícias boas... Por enquanto não posso. Tenho cutículas crescendo na ponta dos dedos como ervas daninhas.

Sobremesa: "O meu mundo não é como o dos outros; quero demais, exijo demais/ há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista/ sou antes uma exaltada,com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudades...sei lá de quê!". (Florbela Espanca)