30 de novembro de 2006


Sem fantasia

As(minhas) mulheres de Chico
Raquel Medeiros

Na segunda sou uma
Das minhas meninas
Já saio sozinha
Como as notas
Da canção
Levo meu destino
No trabalho-fardo
Iluminado de sim
Atrapalhado de não.

Na terça sou
Tereza Tristeza
Do cotidiano
Sem solução
Tire meu lugar
Da mesa
Que o enjôo
É gritante
E o carnaval
É dia distante.

Na quarta sou
A Rosa
Saio pra comprar
Cigarro
E volto sorridente
Mas da alegria
Sou passageira
A ficha cai ligeira
Quando a santa
Troca meu nome
E some com meu sono.

Na quinta sou
Cecília
Invejo a orquestra
Afinada
Respiro pouco
E soletro l-o-u-c-o
Na madrugada
Na insônia desvairada
Mil refletores
E nada de amores
Pra me fazer
De morada.

Na sexta sou
Ana de Amsterdam
Da compra, da venda
Da troca de pernas
Da cerveja gelada
Da seda e da risada
Carta marcada
No jogo da sorte
Às vezes dou azar
O ardor das docas
Na boca do mar.

No sábado sou
Bárbara
Desesperada e nua
Na esperança de ser tua
Quando a noite chegar
Agonizando uma
Paixão vadia
Feito uma hemorragia
Vem buscar minha boca crua
E morde como carne tua.

No domingo sou
Beatriz
Moça triste
Pintada de atriz
Andando com os pés
No chão
A felicidade
É uma amarelinha
Feita de giz
Mas vem a chuva
E apaga o céu
Na véspera da segunda
A alegria é de papel.

Sobremesa: "Eu quero te contar das chuvas que apanhei/ das noites que varei no escuro a te buscar/ eu quero te mostrar as marcas que ganhei/ nas lutas contra o rei/ nas discussões com Deus/ e agora que cheguei/ eu quero a recompensa/ eu quero a prenda imensa dos carinhos teus". (Chico Buarque)