26 de abril de 2006


"Por afrontamento do desejo, insisto na maldade de escrever".
(Ana Cristina Cesar)

Declaração de bens e males
Raquel Medeiros

Declaro, antes de qualquer coisa, que esta declaração é parcial e passional.
Não tenho muito dinheiro, aliás, nunca tive. E o pouco que tenho, mais cedo ou mais tarde, vou ter que dar parte dele ao governo. Ainda não pago imposto, mas já paguei promessa mesmo não sendo religiosa.

Quando criança, fui pediatra e professora, sem nunca ter feito graduação. Desisti de ser pediatra quando descobri que as crianças não vão a consultórios para brincar. Ainda não desisti de ser professora.
Já fui mocinha e vilã. O filme não passou nos cinemas, e ainda não teve um final. Acho que vou chorar no fim. Eu sempre choro.
Fui bailarina, leve no corpo. Bailarina de quedas e calos. Na adolescência deixei o balé pela permanência na escola. Na vida adulta deixei pela exigência do trabalho.
Nunca acreditei em príncipe encantado. Primeiro porque princesas são loiras e eu não sou. Segundo porque achava aquelas roupas ridículas e tinha medo de cavalos. Caí de um por volta dos 9 anos de idade.

Tenho o humor ácido, mas nunca consegui corroer a face de nenhum de meus desafetos.
Fui um feto que aprendeu desde o ventre a compartilhar espaço, comida e carinho. Mas sou egoísta quanto ao amor e a dor.
Estudo e trabalho. Um dia espero ver que isso valeu a pena.
Alguns dos meus sonhos não foram até o fim, ao contrário dos meus desenganos.
Às vezes acho o mundo divertido, noutras vezes parece um eterno domingo.

Já estive doente de corpo. Já tive doença na alma.
Tenho insônia, mas adoro dormir.
Sou flamenguista, portanto, masoquista.
Quero ter filhos, cachorro, um lugar para morar e outro para fugir.
Meu avô me iniciou no vício da leitura.
Meu pai me influenciou no vício do cigarro.
Minha mãe me ensinou que não posso ter tudo, e que isso não é, necessariamente, ruim.
Espero fazer muita coisa antes da morte chegar - arrumar a casa, educar os filhos, pagar as dívidas e sanar as dúvidas. E se não for muito, realizar parte dos meus sonhos.
Sou sonhadora e aprendi nos livros que isso pode ser bom ou ruim. Mas agora é tarde. Nasci assim.

Sobremesa: "Se o que eu sou é também o que eu escolhi ser/ aceito a condição". (Rodrigo Amarante)

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