7 de abril de 2006



"A vida é a arte do encontro, embora
haja tanto desencontro pela vida".
(Vinícius de Moraes)

Fragmentos do vazio II
Raquel Medeiros

Ali, no mesmo vagão da mulher das más escolhas, está um velho, catando alguma coisa na bolsa, como um mágico que procura um coelho numa cartola furada. Uma procura urgente, parecia que faltava pouco para que seu juízo chegasse ao final.
Cata insistentemente, e enfim retira da bolsa algumas fotografias. E mesmo em meio a tantas rugas, é possível ver suas expressões. Lágrimas contidas e um tanto considerável de nostalgia explícita.

Ele pega uma das fotografias e solta as outras no colo. Pára e deixa que as lágrimas contidas reguem a pele enrugada. Na foto, já amarelada, alguns jovens sorriem. O cenário parece ser uma praia, e um dos rapazes - de roupa de banho branca e preta - parece muito com o velho, antes dos cabelos brancos, das marcas do tempo e do sofrimento. Ao seu lado, uma linda moça emoldurada por um maiô preto. Ela sorria e era visível sua felicidade e seu viço. A pele branca e a abundância de suas formas eram o padrão de beleza da época. Uma bela mulher.

O velho acaricia a foto, mais precisamente a imagem da moça. Contorna sua face e seu corpo com os dedos como se pudesse tocá-la de fato. Tira os óculos e chora compulsivamente, como uma criança. Depois ri compulsivamente, como uma criança. Enfim cai num sono profundo, deixando cair os óculos que não vai mais precisar.

Sobremesa: "Porque o tempo é uma invenção da morte/ não o conhece a vida - a verdadeira/ em que basta um momento de poesia/ para nos dar a eternidade inteira". (Mário Quintana)

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