17 de abril de 2006


São demais os perigos desta vida

* Texto da minha pequena. Orgulho do clã. :***

Humano desolado humano
Rilma Medeiros

E Cecília sentia-se só. Mas será que em algum momento ela se reconheceu diferente disso?! Era o que ela se perguntava no alto do vigésimo quinto andar daquele prédio.
A visão era linda, bem diferente de tudo o que ela viu e viveu a vida inteira: chôro, solidão e muito, muito sofrimento. Palavras estas habituais no vocabulário de sua amarga existência.

Lembrou-se que até teve uma boa infância... Irmãos, brincadeiras, alguns amigos. Entretanto, a sensação que hoje experimentava era a de que algo faltava desde aquela época. Teve uma adolescência enleada: sonhos e projetos interrompidos, amores não correspondidos e um sentimento de solitude e angústia que teimava em atormentá-la, como se estivesse predestinada a uma vida pungente e taciturna.

Os anos passaram e em muitos as coisas mudaram. Aquela solidão parecia ter, finalmente, findado: bons amigos, paixões avassaladoras, algumas ainda platônicas, outras transformaram-se em amores correspondidos e serenos, mas Cecília ainda sentia falta de algo. Recordou naquele instante que um dia, conversando com seu avô, queixou-se desse vazio que sentia e que, por mais que tentasse, não conseguia preenchê-lo. Seu avô, com a sabedoria e serenidade as quais lhe eram bem peculiares, respondeu:
- Ceci, esse vazio que você sente todo ser humano possui. É ele que nos move à vida na busca por um preenchimento que na verdade nunca alcançaremos, pois é ele que nos estimula a desejar uma vida melhor, mais emocionante.

Cansada estava Cecília, e aquele vazio que, segundo seu avô, movia o ser humano a viver melhor, moveu-a até o vigésimo quinto andar do prédio do qual ela pulou com um único pensamento em mente: o vazio da vida só é preenchido com a morte.

Sobremesa: "O que será que será/ que dá dentro da gente que não devia/ que desacata a gente que é revelia/ que é feito aguardente que não sacia/ que é feito estar doente de uma folia/ que nem dez mandamentos vão conciliar/ nem todos os unguentos vão aliviar/ nem todos os quebrantos toda alquimia." (Chico Buarque)

Um comentário:

Anônimo disse...

Desde que li a primeira vez quis comentar esse texto.
Só agora o fiz.

Maravilha!!