9 de novembro de 2004

Balanço das perdas
Raquel Medeiros

- O que nós perdemos nessa vida, Maria?
- Perdemos nosso filho mais novo, contrariando as leis naturais, num acidente de automóvel.
- Perdemos nosso filho mais velho, morto pela “quantidade excessiva de substâncias tóxicas em seu sangue”, disse o médico. Mas acho que ele morreu de tristeza, porque a Amália o deixou, e ainda levou as crianças – nossos netos. Perdemos nossos netos também, que nesse momento devem estar brincando na neve em algum país europeu.
- Você perdeu seus cabelos negros. Eu perdi o viço da pele. Você perdeu o vigor e boa parte da sua capacidade auditiva. Eu perdi a rigidez dos seios e a visão num dos olhos. Você perdeu o campeonato de futebol. Eu perdi o show do Roberto.
- Você esqueceu nosso filho do meio, querida.
- Não esqueci, Horácio, mas ele nós ainda não perdemos.
- Ele nos esqueceu, Maria...
- Assim é a vida, querido... Um dia os filhos acabam esquecendo os pais... Vão embora, casam-se, batem a porta e não voltam mais... É verdade que no caso do Fernando fomos nós quem batemos a porta pra ele... O colocamos num lugar onde todos são esquecidos, onde todos estão perdidos....
- É, no final das contas, perdemos o Fernando também... Põe aí na lista, Maria...

Sobremesa: "Deus sabe o que eu quis foi te proteger/ do perigo maior que é você/ e eu sei que parece o que não se diz/ no seu caso é o tempo passar/ quem fala é o doutor/ (...) / e foi difícil ter que te levar aquele lugar/ como é que hoje se diz/ você não quis ficar/ os poucos que viram você aqui/ me disseram que mal você não faz/ e se eu numa esquina qualquer te vir/ será que você vai fugir?/ se você for eu vou correr/ se for eu vou..." (Los Hermanos)

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