13 de outubro de 2004

A pedido de João, uma sobremesa doce... porque já chega o ácido do limão. =)

À falta de melhor nome
Raquel Medeiros

Às vezes ela ficava assim mesmo, sem freios, sem medida. Febril, delirava e transpirava vontade. Bastava um olhar, um leve morder de lábios, e lá estava ela - hipnotizada, fora de si; dentro do outro.
Os contornos; a falta de adornos. Cada centímetro de pele era uma descoberta - a cor, a textura, os pêlos. Tocava, beijava e contemplava cada pedacinho, como se quisesse gravá-los na mente, para as horas de fuga, nas noites de insônia. Horas de fuga?! Para ela, eram horas de encontro. De querer ser um só...
Júlia tentava fugir da passiva rotina que a esmagava, lembrando dos beijos e dos abraços. Da saliva falando ao ouvido. Das respirações confundidas. De ver seus olhos nos dele. Tantas e tantas noites tentando recordá-lo - olhos, boca, pele, sorriso, costas, nuca, cheiro e gosto. E quando, raramente, conseguia fazê-lo, ficava frustrada de não ter o toque. Ela sempre soube que pensar em feijoada não matava a fome. Sabia também que quando a gente sente o cheiro da comida, a boca saliva. A fome aumenta e fomenta o desejo.
Dieta severa de segunda à sexta. E a esperança de ter um banquete no fim-de-semana fazia com que ela não esmorecesse, não morresse de fome. Não tinha medo de vê-lo e sorvê-lo até a última gota. Não tinha medo de uma possível indigestão. O que a amedrontava era a solidão. Era a possibilidade de não tê-lo.

Sobremesa: "Põe a roupa de festa/ que hoje vamos dançar/ pois tudo o que nos resta/ são as risadas que a gente dá/ são as mágoas que a gente consegue findar/ não esqueça nunca, querida/ por mais danças solitárias/ que tenhas tido na vida/ a partir de hoje/ me tens sempre como par". (Raquel Medeiros)

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