28 de outubro de 2004

O pior dos atrasos
Raquel Medeiros

Cheguei tarde. Sei que cheguei. Não uso relógio. Não tenho um. Passei na banca e o jornaleiro só me disse que era tarde.
Eu devia saber. Sempre cheguei atrasada. Na aula, no trabalho, no médico, no jantar. E na tua cama não ia ser diferente.
Quando entrei no teu quarto, já tinhas vivido, amado e dormido. Lençóis amassados, com um cheiro que se misturava ao seu, mas não era o meu.
E o que faço agora? Me deprimo?
Sei que a partir de hoje não me reprimo mais. Não engulo mais o choro, não seguro a risada, não guardo mais o beijo. Que é pra não chegar tarde de novo... Que é pra não acabar antes do começo. Que é pra o fim fazer a sua parte quando realmente for o fim, quando meu amor já estiver gasto.

Sobremesa: "Estou sozinho que nem esse gato/ e muito mais sozinho ainda porque eu sei disso/ e ele não". (Julio Cortázar)

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