13 de agosto de 2004

O velho e o gato
Raquel Medeiros

Antônio, seus 87 anos, sua cadeira de balanço, seu cochilo depois do almoço. O gato sentado no seu colo, pensava na quantidade de coisas pelas quais Seu Antônio já teria passado. Viu tantas coisas serem inventadas; tantas coisas serem destruídas. Viu três dos seus nove filhos morrerem. Também perdeu um neto, o Luizinho, atropelado por um ônibus. Seu Antônio detestava ônibus - pelo Luizinho, e também porque preferia a viagem de trem.
O gato se perguntava se nas sete vidas as quais tinha direito, veria tanta coisa quanto o velho.
Seu Antônio dormia com a tranquilidade de quem cumpriu a missão aqui. Poderia morrer ali mesmo, naquela cadeira. Aliás, seria um belo fim para ele. Morrer na sua cadeira, durante o seu cochilo pós-almoço. A cadeira balançando, diminuindo o ritmo do balanço, até parar. Seria perfeito. Seria poético. E ele - o gato - ali no seu colo, presenciando tudo. O único espectador.
A pessoa da família que o gato mais gostava era o velho. Pensando bem, a sua vida não teria muita graça sem ele. O gato olhou atentamente para o velho, viu que ele ainda respirava e ficou aliviado. Desejou morrer antes de Seu Antônio. Ali mesmo, no seu colo. Na sua cadeira de balanço. No cochilo depois do almoço.

Sobremesa: "Deixo tudo assim/ não me importo em ver a idade em mim/ ouço o que convém/ eu gosto é do gasto". (O velho e o moço - Los Hermanos)

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