27 de julho de 2004

Mirror
Raquel Medeiros

Voltou e olhou novamente para o espelho. Não era mais a mesma de cedo. Leu o jornal; tomou café; pôs comida para o cachorro; tomou banho. As olheiras ainda estavam lá, mas toda a sua expressão havia mudado – mais triste; ou mais cansada – não sabia dizer. No entanto, estava diferente – isso ela tinha certeza.
Saiu. Voltou para almoçar. E no espelho – outra. Nem a de cedo; nem a de antes; nem a de nunca, até ali. Ficou pensando quem seria ela no outro dia de manhã; depois do jantar; dali a algumas horas. Foi tomada por um medo terrível de si mesma. Das muitas que tinha sido. Das muitas que ainda seria.
Daquele dia em diante, ela acordava e se chamava por nomes diferentes. Mas os espelhos foram todos quebrados. Podia transformar-se em alguém da qual não gostasse. Preferia imaginar o contrário – que cada vez que mudava, apesar de diferente, era uma pessoa melhor que antes.

Sobremesa: "Sei que vou morrer, não sei o dia/ levarei saudades da Maria/ sei que vou morrer, não sei a hora/ levarei saudades da Aurora/ quero morrer numa batucada de bamba/ na cadência bonita do samba". (Na cadência do samba)

Nenhum comentário: