20 de julho de 2004

Verão
Raquel Medeiros
 
Ela bem que tentou fugir dele, mas fazia tanto calor. A temperatura estava alta. E a previsão não era das melhores "o verão mais quente dos últimos tempos". Não era fácil. Principalmente pra ela. Acostumada a andar sempre vestida - de vergonha; de dúvida; de medo.
Encarou-o como jamais o fizera antes. Era inevitável o contato. Ele olhava pra ela com uma expressão de desafio. Mas ela era muito medrosa - fingia que não via - e quase derrete com aquela temperatura alta.
Um dia não teve jeito. "Vai, liga o botão", dizia a si mesma. Criou coragem e ligou. Aquelas hélices... Ela sabia... Colocou na potência máxima, e como desde criança tentava, desta vez conseguiu. Pôs o indicador, depois os outros dedos. Sangue. Sangue por toda a parte.
Depois dos dedos cortados, ela sentiu-se aliviada. Poderia fazer o mínimo de calor dali pra frente - ela o ligaria. Agora já não tinha dedos, já não tinha o que esconder dentro das mãos. E os braços? Esses não entravam no ventilador.
 
Sobremesa: "Tarde sem nuvem/50 graus/talvez por sua ausência/tudo derreta". (Calor - Adriana Calcanhoto) 

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