25 de julho de 2004

A roupa preferida
Raquel Medeiros

Dentro da banheira, com sua blusa preferida, a de listras pretas e amarelas. Maquiada - já meio borrada, é verdade - mas assim ficava até mais dramático. Só o rosto fora da água.
Pensou no seu ex-namorado que a abandonara há 5 horas. Pensou no seu primeiro beijo e na sua primeira vez, ambos terríveis. Pensou nos 4 quilos ganhos nas últimas férias. Agora, estava 6 quilos acima do seu peso. Pensou nas suas aulas de latim. Decidiu a morte.
Pensou na sua mãe, e de como aquela água morna lembrava o ventre. Aquela sensação lhe deixou mais confortável, certa do que iria fazer. Olhou para o seu corpo. A blusa de listras pretas e amarelas. A sua preferida. Pensou que talvez fosse melhor deixá-la para o velório. Saiu da água. Trocou a blusa, colocou a de listras no varal - pra enxugar a tempo - e escreveu um “ps” na carta de despedida, exigindo a blusa listrada no velório. Voltou para a banheira. A água estava fria. Desistiu.

Sobremesa: "I can't face the grazes/I cannot contain this/I can't fake the traces/I can't fake the grazes". (Grazes - Sneaker Pimps)

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