30 de setembro de 2004
Para o bem das águas e das almas, o sol se põe e o poeta se expõe.
*A foto é do João Faissal. Valeu, João. =***
O poema
Raquel Medeiros
O poema é como o sol se pondo
Compondo um cenário de consoantes e vogais
É a alma expondo
Suas alegrias e seus ais.
O poema é como uma ferida exposta
Que nem todo mundo quer ver
Que nem todo mundo gosta
Mas é só o que o poeta sabe fazer.
O poema é como um mar de letras
Que assim como as ondas - vem e vão
É um troço que sai da cabeça
Com o objetivo de atingir o coração.
Mas a intenção aqui não é aprisionar o tema
É só uma linha para onde o verso aponta
Pois pra explicar o poema
Não há rima que dê conta...
Sobremesa: "O poema gosta das reticências/ não quer ponto final/ porque ponto final pode ser morte/ e o poema é imortal". (Raquel Medeiros)
Texto antigo, porque a inspiração não tem vindo me visitar esses dias... =)
Espera
Raquel Medeiros
Ela só queria que ele aparecesse. Não queria um beijo ardente. Nem pedido de casamento. Nem um casal de filhos. Nem casa de praia em Majorca. Só queria que ele aparecesse. Afinal de contas, havia colocado roupa nova. Sapato alto. Esmalte e batom vermelhos. Seria muita desfeita...
Sentada num bar, sozinha. Pediu uma cerveja. Pediu um cigarro ao rapaz na mesa do lado. Nem fumava, mas ajudava a passar o tempo. “Garçom, outra cerveja, por favor!”. E assim ela ficou durante algumas horas. Pedindo cerveja ao garçom; cigarro ao rapaz da mesa ao lado.
Ele não veio. Ela já estava sem os sapatos. A roupa nova manchada de cerveja. Batom borrado. Unhas vermelhas ruídas.
Voltou pra casa querendo quebrar o relógio. Queimar o calendário. Era seu aniversário.
Na manhã seguinte, uma ressaca das grandes. Decidiu comprar um jornal, “sempre tem alguém que teve uma noite pior que a sua”. Foi até a banca, comprou o jornal e uma carteira de cigarros. O senhor da banca disse “moça, cigarro mata”. “Não” – disse ela - “o que mata é esperar”.
Sobremesa: "Meu coração não se cansa/ de ter esperança/ de um dia ter tudo o que quer/ meu coração de criança/ não é só lembrança de um vulto feliz de mulher". (Caetano Veloso)
Espera
Raquel Medeiros
Ela só queria que ele aparecesse. Não queria um beijo ardente. Nem pedido de casamento. Nem um casal de filhos. Nem casa de praia em Majorca. Só queria que ele aparecesse. Afinal de contas, havia colocado roupa nova. Sapato alto. Esmalte e batom vermelhos. Seria muita desfeita...
Sentada num bar, sozinha. Pediu uma cerveja. Pediu um cigarro ao rapaz na mesa do lado. Nem fumava, mas ajudava a passar o tempo. “Garçom, outra cerveja, por favor!”. E assim ela ficou durante algumas horas. Pedindo cerveja ao garçom; cigarro ao rapaz da mesa ao lado.
Ele não veio. Ela já estava sem os sapatos. A roupa nova manchada de cerveja. Batom borrado. Unhas vermelhas ruídas.
Voltou pra casa querendo quebrar o relógio. Queimar o calendário. Era seu aniversário.
Na manhã seguinte, uma ressaca das grandes. Decidiu comprar um jornal, “sempre tem alguém que teve uma noite pior que a sua”. Foi até a banca, comprou o jornal e uma carteira de cigarros. O senhor da banca disse “moça, cigarro mata”. “Não” – disse ela - “o que mata é esperar”.
Sobremesa: "Meu coração não se cansa/ de ter esperança/ de um dia ter tudo o que quer/ meu coração de criança/ não é só lembrança de um vulto feliz de mulher". (Caetano Veloso)
27 de setembro de 2004
Salve Bresson e suas fotografias que ilustram cozinhas
Raquel Medeiros
E como quase tudo na vida, a gente sempre busca um sentido pra as coisas que nos acontecem; pra as coisas que gostamos; pra as que não gostamos...
E não precisa ser um senhor acontecimento... uma catástrofe... ganhar na loteria...
Pode ser qualquer coisa – um ônibus perdido, um filme, a falta de luz numa noite de domingo...
Dia desses me peguei pensando naquela famosa fotografia do Bresson, a do menininho andando na rua Mouffetard, segurando umas garrafas de vinho. E, ao contrário do que geralmente leio sobre ela – que tem a beleza da infância “capturada” – sempre me deu uma certa angústia contemplá-la... um nó na garganta...
Cartier-Bresson era um fotógrafo fantástico, mas ao contrário do que muitos pensam, ele não gostava de falar sobre fotografia. Achava que não era essa grande arte da qual todos falam; não era assunto pra homens de bem discutirem. Também não gostava de ver fotografias; nem suas nem dos outros. E o lugar de “destaque” de seus trabalhos era entre o freezer e o fogão; ao lado do espelho do banheiro...
E por que a gente se comove tanto com um trabalho que, na casa do próprio realizador, tinha tanta função e destaque quanto um ímã de geladeira?? Talvez por isso mesmo... pela falta de deslumbramento de Bresson, por parecer tão comum e tão natural ...
Assim é o verdadeiro poeta. Escreve porque se angustia, porque dói, porque ri; porque chora... não é porque acha bonito fazer rima... nem porque é sublime fazer poesia... é porque é o que ele sabe fazer pra manifestar o que há dentro, o que vê lá fora... e às vezes ele acha feio... acha pequeno... acha insuficiente... e coloca numa gaveta, num guardanapo de bar, num papel sujo...
E por que a gente se emociona?
Porque o que importa não é o que o fotógrafo aprisiona na fotografia; nem o que o poeta aprisiona no papel... O que importa é o que está livre, o que está em você e em mim... e que nenhuma razão explica, encerra.
Sobremesa: "E se não faz sentido/ e você precisa de um/ então finge que tem/ ou aprende que nem sempre a razão vem/ E se não tem um fim/ e você precisa de um / então finge que tem/ ou aprende que às vezes o fim não convém”. (Raquel Medeiros)
Raquel Medeiros
E como quase tudo na vida, a gente sempre busca um sentido pra as coisas que nos acontecem; pra as coisas que gostamos; pra as que não gostamos...
E não precisa ser um senhor acontecimento... uma catástrofe... ganhar na loteria...
Pode ser qualquer coisa – um ônibus perdido, um filme, a falta de luz numa noite de domingo...
Dia desses me peguei pensando naquela famosa fotografia do Bresson, a do menininho andando na rua Mouffetard, segurando umas garrafas de vinho. E, ao contrário do que geralmente leio sobre ela – que tem a beleza da infância “capturada” – sempre me deu uma certa angústia contemplá-la... um nó na garganta...
Cartier-Bresson era um fotógrafo fantástico, mas ao contrário do que muitos pensam, ele não gostava de falar sobre fotografia. Achava que não era essa grande arte da qual todos falam; não era assunto pra homens de bem discutirem. Também não gostava de ver fotografias; nem suas nem dos outros. E o lugar de “destaque” de seus trabalhos era entre o freezer e o fogão; ao lado do espelho do banheiro...
E por que a gente se comove tanto com um trabalho que, na casa do próprio realizador, tinha tanta função e destaque quanto um ímã de geladeira?? Talvez por isso mesmo... pela falta de deslumbramento de Bresson, por parecer tão comum e tão natural ...
Assim é o verdadeiro poeta. Escreve porque se angustia, porque dói, porque ri; porque chora... não é porque acha bonito fazer rima... nem porque é sublime fazer poesia... é porque é o que ele sabe fazer pra manifestar o que há dentro, o que vê lá fora... e às vezes ele acha feio... acha pequeno... acha insuficiente... e coloca numa gaveta, num guardanapo de bar, num papel sujo...
E por que a gente se emociona?
Porque o que importa não é o que o fotógrafo aprisiona na fotografia; nem o que o poeta aprisiona no papel... O que importa é o que está livre, o que está em você e em mim... e que nenhuma razão explica, encerra.
Sobremesa: "E se não faz sentido/ e você precisa de um/ então finge que tem/ ou aprende que nem sempre a razão vem/ E se não tem um fim/ e você precisa de um / então finge que tem/ ou aprende que às vezes o fim não convém”. (Raquel Medeiros)
24 de setembro de 2004
Volte sempre
Raquel Medeiros
Loja de perfumes. Vidros de todos os tamanhos e formas, e cores. Prateleiras impecáveis de tão limpas. Nina trabalhava atrás do balcão. Única vendedora da loja. De lá, ela podia ver e analisar cada cliente que entrava. Esse era o seu passatempo predileto.
“ Primeira cliente: Mulher branca, estatura mediana, aparenta uns 30 anos. Nem feia, nem bonita. Precisa de um pouco mais de peito. Não deve Ter tido muitos namorados.” – Bom dia posso ajudar? ...
“Segunda cliente: baixinha, cabelos pretos. Jeito franzino. Tem um nariz horrível, de resto é até bonitinha." – Volte sempre!
“Terceiro cliente: Homem. 45 anos. Nem mais, nem menos. Deve ter uma namorada que tem idade pra ser sua filha. Acho que vou oferecer a linha infantil, só pra ver a cara dele." – Boa tarde, o que o senhor deseja?
Nina quase fechando a loja. Já estava fazendo o saldo do dia. Vinte e seis clientes, ao todo. Uma senhora entra. Era então a vigésima sétima cliente do dia. Nina detestava números ímpares. Ainda mais aquele... A senhora tinha cerca de 60 anos, magra. Uma aristocrata. Um exemplar perfeito dessas mulheres que escondem suas frustrações atrás de um belo colar de esmeraldas. Como ela podia usar uma roupa daquelas?? Onde ela estava nos últimos 20 anos?” – Boa tarde, posso ajudar?.
A senhora pediu um perfume. Pediu outro. Pediu um sabonete. E foi pedindo mais coisas, experimentando mais perfumes. Tinha um jeito antipático, autoritário. Olhava Nina de cima pra baixo. Decidiu, enfim o que levaria.
Acidentalmente, quando Nina foi pegar o perfume pra fazer a nota, o vidro caiu no chão. Foi vidro e perfume pra todo lado. A cliente começou a gritar com ela. Insultá-la.
Nina abaixou pra recolher os pedaços de vidro. Aquela mulher não parava de falar. Nina virou o rosto. Dava pra ver os pés e parte da pantourrilha da mulher. Nina pensava “Como alguém pode usar um sapato desses?. E essas pernas... ela devia ter comprado um hidratante ao invés de um perfume...”
Os pensamentos tomavam conta de Nina. A voz da senhora foi ficando distante, distante. Até que Nina se levantou, pegou o gargalo do vidro e enfiou no pescoço da cliente, bem fundo e segurou lá dentro.
Depois limpou o sangue no rosto. Abaixou e continuou a limpar os restos de vidro. Tranquilamente.
Sobremesa: "Tudo bonito/ tudo limpo/ pode entrar que eu vendo/ mas não me irrite/ não me menospreze/ pois dependendo da dose/ até perfume pode ser veneno". (Raquel Medeiros)
Raquel Medeiros
Loja de perfumes. Vidros de todos os tamanhos e formas, e cores. Prateleiras impecáveis de tão limpas. Nina trabalhava atrás do balcão. Única vendedora da loja. De lá, ela podia ver e analisar cada cliente que entrava. Esse era o seu passatempo predileto.
“ Primeira cliente: Mulher branca, estatura mediana, aparenta uns 30 anos. Nem feia, nem bonita. Precisa de um pouco mais de peito. Não deve Ter tido muitos namorados.” – Bom dia posso ajudar? ...
“Segunda cliente: baixinha, cabelos pretos. Jeito franzino. Tem um nariz horrível, de resto é até bonitinha." – Volte sempre!
“Terceiro cliente: Homem. 45 anos. Nem mais, nem menos. Deve ter uma namorada que tem idade pra ser sua filha. Acho que vou oferecer a linha infantil, só pra ver a cara dele." – Boa tarde, o que o senhor deseja?
Nina quase fechando a loja. Já estava fazendo o saldo do dia. Vinte e seis clientes, ao todo. Uma senhora entra. Era então a vigésima sétima cliente do dia. Nina detestava números ímpares. Ainda mais aquele... A senhora tinha cerca de 60 anos, magra. Uma aristocrata. Um exemplar perfeito dessas mulheres que escondem suas frustrações atrás de um belo colar de esmeraldas. Como ela podia usar uma roupa daquelas?? Onde ela estava nos últimos 20 anos?” – Boa tarde, posso ajudar?.
A senhora pediu um perfume. Pediu outro. Pediu um sabonete. E foi pedindo mais coisas, experimentando mais perfumes. Tinha um jeito antipático, autoritário. Olhava Nina de cima pra baixo. Decidiu, enfim o que levaria.
Acidentalmente, quando Nina foi pegar o perfume pra fazer a nota, o vidro caiu no chão. Foi vidro e perfume pra todo lado. A cliente começou a gritar com ela. Insultá-la.
Nina abaixou pra recolher os pedaços de vidro. Aquela mulher não parava de falar. Nina virou o rosto. Dava pra ver os pés e parte da pantourrilha da mulher. Nina pensava “Como alguém pode usar um sapato desses?. E essas pernas... ela devia ter comprado um hidratante ao invés de um perfume...”
Os pensamentos tomavam conta de Nina. A voz da senhora foi ficando distante, distante. Até que Nina se levantou, pegou o gargalo do vidro e enfiou no pescoço da cliente, bem fundo e segurou lá dentro.
Depois limpou o sangue no rosto. Abaixou e continuou a limpar os restos de vidro. Tranquilamente.
Sobremesa: "Tudo bonito/ tudo limpo/ pode entrar que eu vendo/ mas não me irrite/ não me menospreze/ pois dependendo da dose/ até perfume pode ser veneno". (Raquel Medeiros)
23 de setembro de 2004
Sutil Traço
Raquel Medeiros
Nessas ruas me desfaço
No teu endereço permaneço
No tua boca me esqueço
Na tuas mãos me refaço.
Bom é andar de pés descalços
E desfazer os cadarços
Já é um bom começo
Não seja cruel; nem seja falso
Pois se me falta o abraço
Eu desapareço.
Sobremesa: "Não há borracha que apague/ não há papel pra rasgar/ É um traço/ é um laço/Não há entrega ao cansaço/ Preenche o espaço/ aponta o lápis/ e continua a desenhar". (Raquel Medeiros)
Raquel Medeiros
Nessas ruas me desfaço
No teu endereço permaneço
No tua boca me esqueço
Na tuas mãos me refaço.
Bom é andar de pés descalços
E desfazer os cadarços
Já é um bom começo
Não seja cruel; nem seja falso
Pois se me falta o abraço
Eu desapareço.
Sobremesa: "Não há borracha que apague/ não há papel pra rasgar/ É um traço/ é um laço/Não há entrega ao cansaço/ Preenche o espaço/ aponta o lápis/ e continua a desenhar". (Raquel Medeiros)
22 de setembro de 2004
Domênico Silva
Raquel Medeiros
Escrevo diante da janela aberta. Os tímidos raios de sol das primeiras horas do dia criam um leve contraste com o verde-lodo do prédio. Apartamentos apertados e fedorentos. Gritos, gemidos e garrafas quebradas são a trilha sonora da madrugada. Por isso só consigo escrever a essa hora do dia. Hora em que a maioria dorme. Alguns tranquilamente; outros com o "couro quente".
Moro sozinho. De vez em quando minha mãe me visita. Sabe como é, filho único... Reclama da minha bagunça e do meu cigarro; da minha barba mal-feita e do queijo mofado. Reclama e joga na minha cara os arranhões nos seus joelhos, frutos de suas orações, de centenas de contas de rosário, repetidas fervorosamente ao longo desses meus quase trinta anos. Ela era uma vítima. Sempre fôra. Primeiro de Deus; depois do meu pai. E agora do único filho.
Eu sempre quis escrever sobre outras coisas. Coisas belas, como a harmonia do canto dos pássaros no verão, a sensualidade discreta das escolares, amores bem-sucedidos... mas o que me era servido como inspiração eram vizinhos barulhentos e asquerosos, e uma mãe que parecia carregar consigo as chagas de Cristo.
Eu até conseguia enxergar meu único livro acabado, empoeirado e abandonado, na prateleira de uma livraria vagabunda. Livro curto, dividido em três capítulos.
A Patética Vida de Domênico Silva. Primeiro capítulo: Filho céptico de mãe devota. Segundo capítulo: Como conseguir tirar inspiração do lodo. Terceiro capítulo: Aqui jaz Domênico Silva, carrasco da própria mãe.
Sobremesa: "Meu pai sempre me dizia/ meu filho tome cuidado/ quando eu penso no futuro/ não esqueço o meu passado". (Paulinho da Viola)
Raquel Medeiros
Escrevo diante da janela aberta. Os tímidos raios de sol das primeiras horas do dia criam um leve contraste com o verde-lodo do prédio. Apartamentos apertados e fedorentos. Gritos, gemidos e garrafas quebradas são a trilha sonora da madrugada. Por isso só consigo escrever a essa hora do dia. Hora em que a maioria dorme. Alguns tranquilamente; outros com o "couro quente".
Moro sozinho. De vez em quando minha mãe me visita. Sabe como é, filho único... Reclama da minha bagunça e do meu cigarro; da minha barba mal-feita e do queijo mofado. Reclama e joga na minha cara os arranhões nos seus joelhos, frutos de suas orações, de centenas de contas de rosário, repetidas fervorosamente ao longo desses meus quase trinta anos. Ela era uma vítima. Sempre fôra. Primeiro de Deus; depois do meu pai. E agora do único filho.
Eu sempre quis escrever sobre outras coisas. Coisas belas, como a harmonia do canto dos pássaros no verão, a sensualidade discreta das escolares, amores bem-sucedidos... mas o que me era servido como inspiração eram vizinhos barulhentos e asquerosos, e uma mãe que parecia carregar consigo as chagas de Cristo.
Eu até conseguia enxergar meu único livro acabado, empoeirado e abandonado, na prateleira de uma livraria vagabunda. Livro curto, dividido em três capítulos.
A Patética Vida de Domênico Silva. Primeiro capítulo: Filho céptico de mãe devota. Segundo capítulo: Como conseguir tirar inspiração do lodo. Terceiro capítulo: Aqui jaz Domênico Silva, carrasco da própria mãe.
Sobremesa: "Meu pai sempre me dizia/ meu filho tome cuidado/ quando eu penso no futuro/ não esqueço o meu passado". (Paulinho da Viola)
21 de setembro de 2004
Hoje tem visita. Prato principal feito a duas mãos*. Alex e Elisa. Eles conseguiram traduzir muito do que há em mim, ultimamente. E "somos lúdicos disfarçados", não é Li?! Às vezes nem tão disfarçados assim... =)
Bom, e chega de conversa que o que importa aqui é a poesia. Nas palavras... No amor... Na vida...
* "Mãos" aqui é pura metonímia...
Bomba
Elisa e Alex
Às vezes meu coração bate mais que deveria
E me bate. Judia.
Mas mesmo assim é muito pouco, perto do que ele queria.
A ferro, fogo e poesia bate, queima, dissocia
Pois cada letra que ele escreve
Tem o único fim de fazer o meu músculo cardíaco explodir,
A razão se partir, pra fazer de carne o que antes era só fantasia.
Arde, rasga, alivia, tira o véu de quem dormia
Mostra em língua o que diria
Desnuda o que se encobria,
Tira do meio da penumbra os traços de quem se extasia.
Mas afinal, para que ter um coração batendo certo, comportado, calmo, sem taquicardia?
Sobremesa: “Prato principal e sobremesa/ Sirva-se/ o coração está na mesa/ Mas saboreie com atenção / E não deixe que ele morra no prato/ ele quer desejo e amor/ de fato/ e se você não estiver apto/ trate de procurar outra refeição”. (Raquel Medeiros)
Bom, e chega de conversa que o que importa aqui é a poesia. Nas palavras... No amor... Na vida...
* "Mãos" aqui é pura metonímia...
Bomba
Elisa e Alex
Às vezes meu coração bate mais que deveria
E me bate. Judia.
Mas mesmo assim é muito pouco, perto do que ele queria.
A ferro, fogo e poesia bate, queima, dissocia
Pois cada letra que ele escreve
Tem o único fim de fazer o meu músculo cardíaco explodir,
A razão se partir, pra fazer de carne o que antes era só fantasia.
Arde, rasga, alivia, tira o véu de quem dormia
Mostra em língua o que diria
Desnuda o que se encobria,
Tira do meio da penumbra os traços de quem se extasia.
Mas afinal, para que ter um coração batendo certo, comportado, calmo, sem taquicardia?
Sobremesa: “Prato principal e sobremesa/ Sirva-se/ o coração está na mesa/ Mas saboreie com atenção / E não deixe que ele morra no prato/ ele quer desejo e amor/ de fato/ e se você não estiver apto/ trate de procurar outra refeição”. (Raquel Medeiros)
20 de setembro de 2004
Noite insone
Raquel Medeiros
Como é difícil escrever uma carta...
Mentiras aqui eu posso dizer
E isso pode fazer sentido
Podem parecer verdades pra você
Mas atrás de inúteis armas
A alma não quer se esconder...
Fico aqui, olhando a margem
E tentando, através destas palavras
Contruir uma imagem
Que expresse o que eu não consigo dizer...
Daqui tenho a janela aberta
E vejo que parou de chover
As pessoas começam a sair de suas casas
Ainda temerosas com a água
Mas com muita vontade de viver
E só eu fico a escrever cartas
Pra quem nunca vai responder...
Mas um dia eu crio asas
E essa maldita dúvida há de morrer!
Sobremesa: "O que será que me dá/ que me queima por dentro será que me dá/ que me perturba o sono será que me dá/ que todos os ardores me vem atiçar/ que todos os tremores me vem agitar/ e todos os suores me vem encharcar/ e todos os meus nervos estão a rogar/ e todos os meus órgãos estão a clamar". (Chico Buarque)
Raquel Medeiros
Como é difícil escrever uma carta...
Mentiras aqui eu posso dizer
E isso pode fazer sentido
Podem parecer verdades pra você
Mas atrás de inúteis armas
A alma não quer se esconder...
Fico aqui, olhando a margem
E tentando, através destas palavras
Contruir uma imagem
Que expresse o que eu não consigo dizer...
Daqui tenho a janela aberta
E vejo que parou de chover
As pessoas começam a sair de suas casas
Ainda temerosas com a água
Mas com muita vontade de viver
E só eu fico a escrever cartas
Pra quem nunca vai responder...
Mas um dia eu crio asas
E essa maldita dúvida há de morrer!
Sobremesa: "O que será que me dá/ que me queima por dentro será que me dá/ que me perturba o sono será que me dá/ que todos os ardores me vem atiçar/ que todos os tremores me vem agitar/ e todos os suores me vem encharcar/ e todos os meus nervos estão a rogar/ e todos os meus órgãos estão a clamar". (Chico Buarque)
18 de setembro de 2004
Hoje é aniversário de Guga, menino lindo!!! Por dentro, por fora. Atrás de lentes de óculos ou de câmeras fotográficas. Fez uma foto linda, que provocou esse texto e sobremesa. A foto era pra ser a entrada. Parceria...primeira de muitas... Mas acontece que o programa não ajudou muito... E já que é assim, deixo o meu pedido de desculpas a Guga, o endereço do fotolog dele - o texto junto com a foto estão lá - www.fotolog.net/hum_rum . Obrigada pelas fotos. Os abraços eu vou dar pessoalmente. =)
Parceria
Raquel Medeiros
Adorávamos aquele lago
Eu e você
Íamos com nossas bicicletas
Nadávamos
Você adorava dar aqueles mergulhos longos
Que tanto me preocupavam.
Um dia você mergulhou e demorou
Deixou-me preocupado por horas
Dias e meses
Deixou-me preocupado até agora
Depois de anos esperando, você não voltou.
E todos os domingos de manhã
Eu volto naquele lago
Vou de carro porque as pernas
Já não aguentam pedalar
Mas levo sempre sua bicicleta
No caso de você voltar.
Sobremesa: "Fazer tudo do mesmo jeito/ e quando pega-se o jeito/ as coisas podem ficar banais/ mas quando a bicicleta do lado fica vazia/ nada mais é igual/ nem o lago/ nem a poesia/ e certas coisas perdem a graça/ certos sabores não voltam mais". (Raquel Medeiros)
Parceria
Raquel Medeiros
Adorávamos aquele lago
Eu e você
Íamos com nossas bicicletas
Nadávamos
Você adorava dar aqueles mergulhos longos
Que tanto me preocupavam.
Um dia você mergulhou e demorou
Deixou-me preocupado por horas
Dias e meses
Deixou-me preocupado até agora
Depois de anos esperando, você não voltou.
E todos os domingos de manhã
Eu volto naquele lago
Vou de carro porque as pernas
Já não aguentam pedalar
Mas levo sempre sua bicicleta
No caso de você voltar.
Sobremesa: "Fazer tudo do mesmo jeito/ e quando pega-se o jeito/ as coisas podem ficar banais/ mas quando a bicicleta do lado fica vazia/ nada mais é igual/ nem o lago/ nem a poesia/ e certas coisas perdem a graça/ certos sabores não voltam mais". (Raquel Medeiros)
17 de setembro de 2004
I've got you under my skin
Raquel Medeiros
Acordado do sono
Diluído no meu pranto
Espalhado no meu sonho
Estacionado no meu colo
Protegido de qualquer medo
Dilatado no meu olho
Diluído na minha boca
Algemado ao meu desejo
Colado à minha nuca
Aquecido como o dia
Hipnotizado com o meu canto
Apaixonado como a poesia.
Sobremesa: "Encerre tudo que não te revele/ a palavra sugere/ percebe e descreve tudo o que pede a pele". (Raquel Medeiros)
Raquel Medeiros
Acordado do sono
Diluído no meu pranto
Espalhado no meu sonho
Estacionado no meu colo
Protegido de qualquer medo
Dilatado no meu olho
Diluído na minha boca
Algemado ao meu desejo
Colado à minha nuca
Aquecido como o dia
Hipnotizado com o meu canto
Apaixonado como a poesia.
Sobremesa: "Encerre tudo que não te revele/ a palavra sugere/ percebe e descreve tudo o que pede a pele". (Raquel Medeiros)
16 de setembro de 2004
Na mesa
Raquel Medeiros
Sentamos à mesa
Eu e você
Casamento fracassado
Cachorro traumatizado
Pedimos divisão de bens na entrada
E no prato principal
Mágoas e marcas
Deixamos o pedido de desculpas
Pra sobremesa
Mas já era tarde
Já estávamos tão cheios
Que só levantamos da mesa.
"Adeus Antônio"
"Adeus Tereza".
Sobremesa: "Às vezes é melhor pedir sopa/ dispensar as facas/ Basta a navalha da língua/ basta a dor/ Difícil é admitir que tudo tem fim/ o jantar/ e o amor". (Raquel Medeiros)
Raquel Medeiros
Sentamos à mesa
Eu e você
Casamento fracassado
Cachorro traumatizado
Pedimos divisão de bens na entrada
E no prato principal
Mágoas e marcas
Deixamos o pedido de desculpas
Pra sobremesa
Mas já era tarde
Já estávamos tão cheios
Que só levantamos da mesa.
"Adeus Antônio"
"Adeus Tereza".
Sobremesa: "Às vezes é melhor pedir sopa/ dispensar as facas/ Basta a navalha da língua/ basta a dor/ Difícil é admitir que tudo tem fim/ o jantar/ e o amor". (Raquel Medeiros)
15 de setembro de 2004
Dúvida sádica
Raquel Medeiros
A dúvida me tirou a força
Colocou-me na forca
E a alma fraca
Não consegue fugir.
Dilema que me trava a garganta
Cala a minha voz de aflição
É a dor de dar resposta à interrogação que se levanta
É a dor de escolher entre o sim e o não.
Incerteza que esfria a noite alta
E quase me queima com a chegada do dia
O sono, é verdade, faz falta
Mas o que me mata é essa apatia.
É a certeza de que Deus é uma farsa
E que meu destino não há outro quem faça
A não ser eu mesma, covarde carcaça
Que se amedronta e se amordaça
Mas sabe que não adianta fazer pirraça
Pois a dúvida instiste; não passa
E de mim não tem dó
Ao contrário, acha graça.
Sobremesa: "Será que a rainha consegue dormir/ agir com desdém/ quando tem que decidir se corta ou não a cabeça de alguém?!" (Raquel Medeiros)
Raquel Medeiros
A dúvida me tirou a força
Colocou-me na forca
E a alma fraca
Não consegue fugir.
Dilema que me trava a garganta
Cala a minha voz de aflição
É a dor de dar resposta à interrogação que se levanta
É a dor de escolher entre o sim e o não.
Incerteza que esfria a noite alta
E quase me queima com a chegada do dia
O sono, é verdade, faz falta
Mas o que me mata é essa apatia.
É a certeza de que Deus é uma farsa
E que meu destino não há outro quem faça
A não ser eu mesma, covarde carcaça
Que se amedronta e se amordaça
Mas sabe que não adianta fazer pirraça
Pois a dúvida instiste; não passa
E de mim não tem dó
Ao contrário, acha graça.
Sobremesa: "Será que a rainha consegue dormir/ agir com desdém/ quando tem que decidir se corta ou não a cabeça de alguém?!" (Raquel Medeiros)
14 de setembro de 2004
Menino ou Menina?
Raquel Medeiros
Suzana estava grávida. Três meses, julgava. Cólicas, enjôos, desejos. Tudo o que mulheres nesse estado costumam ter. Ou dizem que têm. Suzana se recusava a ir ao médico. Nada de pré-natal, nada de ultra-sonografia. Não queria saber o sexo do bebê antes do parto.
As pessoas na rua achavam que seriam gêmeos. Era uma barriga imensa. Quem sabe não seriam três? Ou até quatro?! Era realmente uma senhora barriga!
Rompe a bolsa. Suzana corre para o hospital. Não pode ser parto normal. O médico aplica a anestesia. Suzana dorme.
Horas depois, Suzana acorda. Muitas pessoas em volta. Nenhuma sorria. “O que houve? Onde está o meu filho? Ou será filha? Ele não está com fome?”. A enfermeira aproxima-se e diz “Senhora, me desculpe, mas não há filho algum. Nunca houve. A senhora é estéril".
Sobremesa: "Gravidez psicológica/ amor psicológico/ fome psicológica/ o estômago obedece ao cérebro/ mas não se importa se este está com a razão/ o estômago só faz o papel dele/ pede/ e se não lhes dão o que comer, tanto faz se é psicológico ou não". (Raquel Medeiros)
Raquel Medeiros
Suzana estava grávida. Três meses, julgava. Cólicas, enjôos, desejos. Tudo o que mulheres nesse estado costumam ter. Ou dizem que têm. Suzana se recusava a ir ao médico. Nada de pré-natal, nada de ultra-sonografia. Não queria saber o sexo do bebê antes do parto.
As pessoas na rua achavam que seriam gêmeos. Era uma barriga imensa. Quem sabe não seriam três? Ou até quatro?! Era realmente uma senhora barriga!
Rompe a bolsa. Suzana corre para o hospital. Não pode ser parto normal. O médico aplica a anestesia. Suzana dorme.
Horas depois, Suzana acorda. Muitas pessoas em volta. Nenhuma sorria. “O que houve? Onde está o meu filho? Ou será filha? Ele não está com fome?”. A enfermeira aproxima-se e diz “Senhora, me desculpe, mas não há filho algum. Nunca houve. A senhora é estéril".
Sobremesa: "Gravidez psicológica/ amor psicológico/ fome psicológica/ o estômago obedece ao cérebro/ mas não se importa se este está com a razão/ o estômago só faz o papel dele/ pede/ e se não lhes dão o que comer, tanto faz se é psicológico ou não". (Raquel Medeiros)
13 de setembro de 2004
Palavras que tiram o sono; desenhos que devolvem o sonho
Raquel Medeiros
Veridiana era escritora. Pediu demissão da revista onde trabalhava. Queriam que ela escrevesse matérias sobre mulheres que não conseguiam chegar ao orgasmo. Um tipo de guia. Mas ela nunca tinha tido um, como poderia aconselhar outras mulheres?
O que Veridiana queria era poesia. Poesia. No trabalho, na vida. Tinha alma de poeta. Alma que não queria ter orgasmos em três lições. Queria ter orgasmos em versos, em rimas.
Um dia rabiscou uma de suas poesias na parede de uma obra abandonada. Era muito sentimento pra ficar preso dentro de um papel. Era muito sentimento pra ficar preso dentro dela.
Outro dia passou em frente a obra e viu um desenho feito ao lado do poema. Achou coincidência. "Outra alma que precisa de mais espaço que o corpo oferece". E escreveu mais um texto. No outro dia, mais um desenho. Veridiana se deu conta que talvez aquilo fosse intencional. Os traços, Os tons de cinza. Um pedido de socorro de um solitário. Uma declaração de amor. E desta vez Veridiana não escreveu poema. Escreveu um convite, um apelo.
No dia seguinte acordou mais cedo, esperava encontrá-lo lá, talvez ainda desenhando. Para surpresa de Veridiana não havia desenhos e mesmo seus poemas foram cobertos por cartazes de políticos. Ficou desesperada.
Voltou pra casa e desatou a escrever poesias sobre os desencontros, sobre sua má sorte, sobre a falta de amor. Enclausurou-se. Enlouqueceu. Vizinhos do prédio onde morava, resovelram avisar aos familiares para que estes tomassem uma providência. Nenhuma notícia. Os próprios vizinhos resolveram interná-la num sanatório.
Semanas depois, um novo inquilino achou os escritos de Veridiana, e resolveu publicá-los. Textos viscerais, cheios de sangue e de lágrimas. Cheios de desilusão e dor. Resolveu ir no sanatório conhecer a autora.
Chegando lá, disse "Veridiana publiquei seus escritos, coisas lindas, me emocionaram muito. Espero que gostes. Até chamei um amigo para ilustrar o livro. Vou trazê-lo aqui, pra você conhecê-lo".
Veridiana, que até então não tinha dito palavra alguma, abriu a boca e disse "tarde demais...tarde demais...".
Sobremesa: "A poesia sente-se atraída por dores e desamores/ mas o pobre poeta só busca o amor e seus sabores". (Raquel Medeiros)
Raquel Medeiros
Veridiana era escritora. Pediu demissão da revista onde trabalhava. Queriam que ela escrevesse matérias sobre mulheres que não conseguiam chegar ao orgasmo. Um tipo de guia. Mas ela nunca tinha tido um, como poderia aconselhar outras mulheres?
O que Veridiana queria era poesia. Poesia. No trabalho, na vida. Tinha alma de poeta. Alma que não queria ter orgasmos em três lições. Queria ter orgasmos em versos, em rimas.
Um dia rabiscou uma de suas poesias na parede de uma obra abandonada. Era muito sentimento pra ficar preso dentro de um papel. Era muito sentimento pra ficar preso dentro dela.
Outro dia passou em frente a obra e viu um desenho feito ao lado do poema. Achou coincidência. "Outra alma que precisa de mais espaço que o corpo oferece". E escreveu mais um texto. No outro dia, mais um desenho. Veridiana se deu conta que talvez aquilo fosse intencional. Os traços, Os tons de cinza. Um pedido de socorro de um solitário. Uma declaração de amor. E desta vez Veridiana não escreveu poema. Escreveu um convite, um apelo.
No dia seguinte acordou mais cedo, esperava encontrá-lo lá, talvez ainda desenhando. Para surpresa de Veridiana não havia desenhos e mesmo seus poemas foram cobertos por cartazes de políticos. Ficou desesperada.
Voltou pra casa e desatou a escrever poesias sobre os desencontros, sobre sua má sorte, sobre a falta de amor. Enclausurou-se. Enlouqueceu. Vizinhos do prédio onde morava, resovelram avisar aos familiares para que estes tomassem uma providência. Nenhuma notícia. Os próprios vizinhos resolveram interná-la num sanatório.
Semanas depois, um novo inquilino achou os escritos de Veridiana, e resolveu publicá-los. Textos viscerais, cheios de sangue e de lágrimas. Cheios de desilusão e dor. Resolveu ir no sanatório conhecer a autora.
Chegando lá, disse "Veridiana publiquei seus escritos, coisas lindas, me emocionaram muito. Espero que gostes. Até chamei um amigo para ilustrar o livro. Vou trazê-lo aqui, pra você conhecê-lo".
Veridiana, que até então não tinha dito palavra alguma, abriu a boca e disse "tarde demais...tarde demais...".
Sobremesa: "A poesia sente-se atraída por dores e desamores/ mas o pobre poeta só busca o amor e seus sabores". (Raquel Medeiros)
11 de setembro de 2004
Rotina
Raquel Medeiros
Pedro e Joana estavam casados há pouco mais de um ano, porém já não viviam mais a tal "lua-de-mel". Há muito tempo não se procuravam. Viam TV até o sono chegar e este não tardava.
Numa noite de verão, faltou luz. Pára o ar-condicionado. Cala a televisão. O calor impossibilita o sono. Silêncio. Nada pra fazer. Pedro procura a cintura de Joana e lhe beija a nuca. Joana finge tentar dormir, então Pedro lhe toca os seios, por cima da fina camisola. Joana volta seu corpo para Pedro e lhe beija a boca como há tempos não fazia. Pedro tira a camisola de Joana e lhe beija avidamente o pescoço. Todos os sinais de excitação latentes. Volta a luz.
- Você engordou? - Perguntou Pedro.
Joana veste a camisola.
- Não, emagreci 2 quilos.
- Se importa se eu mudar o canal?
- Não. Estou com sono. Vou dormir.
Silêncio.
- Se importa de apagar a luz, Pedro?
- Não.
- Obrigada. Boa noite.
- Boa noite.
Sobremesa: "Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito/ exijo respeito, não sou mais um sonhador/ chego a mudar de calçada quando aparece uma flor/ e dou risada do grande amor". (Chico Buarque)
Raquel Medeiros
Pedro e Joana estavam casados há pouco mais de um ano, porém já não viviam mais a tal "lua-de-mel". Há muito tempo não se procuravam. Viam TV até o sono chegar e este não tardava.
Numa noite de verão, faltou luz. Pára o ar-condicionado. Cala a televisão. O calor impossibilita o sono. Silêncio. Nada pra fazer. Pedro procura a cintura de Joana e lhe beija a nuca. Joana finge tentar dormir, então Pedro lhe toca os seios, por cima da fina camisola. Joana volta seu corpo para Pedro e lhe beija a boca como há tempos não fazia. Pedro tira a camisola de Joana e lhe beija avidamente o pescoço. Todos os sinais de excitação latentes. Volta a luz.
- Você engordou? - Perguntou Pedro.
Joana veste a camisola.
- Não, emagreci 2 quilos.
- Se importa se eu mudar o canal?
- Não. Estou com sono. Vou dormir.
Silêncio.
- Se importa de apagar a luz, Pedro?
- Não.
- Obrigada. Boa noite.
- Boa noite.
Sobremesa: "Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito/ exijo respeito, não sou mais um sonhador/ chego a mudar de calçada quando aparece uma flor/ e dou risada do grande amor". (Chico Buarque)
8 de setembro de 2004
Desilusão
Raquel Medeiros
Esquece essa história de fidelidade
Que isso só aumentou a tentação
Isso só me tirou a liberdade.
Esquece essa história de desejo
Que isso só trouxe decepção
Isso só me tirou o sabor do beijo.
Esquece essa história de amor
Que isso matou a razão
Isso só me causou mais dor.
Sobremesa: “Acontece que o meu coração ficou frio/ e o nosso ninho de amor está vazio/se eu ainda pudesse fingir que te amo/ ah, se eu pudesse/ mas não quero, não devo fazê-lo/ isso não acontece”. (Cartola)
Raquel Medeiros
Esquece essa história de fidelidade
Que isso só aumentou a tentação
Isso só me tirou a liberdade.
Esquece essa história de desejo
Que isso só trouxe decepção
Isso só me tirou o sabor do beijo.
Esquece essa história de amor
Que isso matou a razão
Isso só me causou mais dor.
Sobremesa: “Acontece que o meu coração ficou frio/ e o nosso ninho de amor está vazio/se eu ainda pudesse fingir que te amo/ ah, se eu pudesse/ mas não quero, não devo fazê-lo/ isso não acontece”. (Cartola)
3 de setembro de 2004
Hoje é dia de prosa. É dia de homenagear os amigos também. Amanhã é aniversário do confeiteiro, e essa foi a nossa primeira parceria. Feliz aniversário, Tiago! =*******
Assim nasce o fim
Raquel Medeiros
Eu era uma criança triste. Solitário por opção. Inventava histórias e amigos – achava-os melhores que os reais. Meu pai, professor numa escola de tiro. Sentia por ele um misto de admiração e medo. Nos falávamos pouco. Mas ele sempre dizia que um dia eu seria um professor tão bom quanto ele. E eu queria ser; ou achava que queria. Aos nove anos, ganhei minha primeira arma, de brinquedo.
Na escola, tirava notas boas, mas não gostava das aulas. Ficava na sala, atirando nos colegas. Era divertido: alguém dizia uma bobagem, e eu estourava a sua cabeça. De mentira, por falta de opção.
Um dia, o professor me tomou a arma e me mandou pra casa. Tive medo de ligar para o meu pai e dizer-lhe o que havia acontecido. Seria uma surra daquelas. Física e moral. Saí da escola e não consegui achar o caminho de casa. Isso acontece quando se é muito disperso, e não se presta atenção ao caminho.
Encontrei uma estação de metrô e lá fiz moradia. Ganhava uns trocados contando histórias às pessoas que esperavam, aos solitários, aos mendigos que também moravam lá. Algumas histórias eram realmente boas e me rendiam um bom dinheiro; outras só me traziam um riso de pena no canto da boca. Dava pra não morrer de fome. Dava pra não morrer de frio. Dava pra não morrer de solidão. Dava pra sobreviver; mas não era vida. Percebi a diferença assim.
Um dia, já quase homem de corpo – porque na alma já era um homem desde muito cedo, vi meu pai na estação. Segui-o, entrei no metrô, mas não tive coragem de chegar perto. O que eu diria? O que eu faria? Resolvi que só iria descobrir o caminho de casa, e pensaria numa maneira de ir até lá e criar coragem pra falar com o velho.
Semanas depois, pensando, pensando, decidi que era a hora de encará-lo.
Parei na calçada de casa. Não havia mudado nada. A grama precisava de um corte, é verdade, mas o resto continuava igual. Senti como se estivesse chegando da escola, no dia da expulsão. Fiquei com medo da surra adiada. Fiquei com medo de não saber o que falar. Fiquei com medo do meu pai.
Entrei – meu pai não gostava de portas trancadas – sentei-me no sofá. Não tinha ninguém em casa. Resolvi fazer um café, cairia bem na hora em que estivéssemos conversando. Enquanto estava passando o café, ouço o barulho da porta. Era ele. Paralisei. Fiquei esperando que ele fosse até a cozinha e me visse. Diria “oi, sou eu, o Vicente”. Deixei cair uma maldita xícara.
Meu pai entrou na cozinha atirando. E foi assim que morri. Ele não me reconheceu. Ele nunca me conheceu. Fomos dois desconhecidos um pra o outro. Ele não matou o filho. Matou um estranho.
Sobremesa: "Não se levantem ainda / A sobremesa tá na mesa / pudim de amor / manjar de ódio / quindim de surpresa / Não esperem a torta de gentileza / tive esse trabalho todo / alguém me ajuda a tirar a mesa?". (Tiago Tenório)
Assim nasce o fim
Raquel Medeiros
Eu era uma criança triste. Solitário por opção. Inventava histórias e amigos – achava-os melhores que os reais. Meu pai, professor numa escola de tiro. Sentia por ele um misto de admiração e medo. Nos falávamos pouco. Mas ele sempre dizia que um dia eu seria um professor tão bom quanto ele. E eu queria ser; ou achava que queria. Aos nove anos, ganhei minha primeira arma, de brinquedo.
Na escola, tirava notas boas, mas não gostava das aulas. Ficava na sala, atirando nos colegas. Era divertido: alguém dizia uma bobagem, e eu estourava a sua cabeça. De mentira, por falta de opção.
Um dia, o professor me tomou a arma e me mandou pra casa. Tive medo de ligar para o meu pai e dizer-lhe o que havia acontecido. Seria uma surra daquelas. Física e moral. Saí da escola e não consegui achar o caminho de casa. Isso acontece quando se é muito disperso, e não se presta atenção ao caminho.
Encontrei uma estação de metrô e lá fiz moradia. Ganhava uns trocados contando histórias às pessoas que esperavam, aos solitários, aos mendigos que também moravam lá. Algumas histórias eram realmente boas e me rendiam um bom dinheiro; outras só me traziam um riso de pena no canto da boca. Dava pra não morrer de fome. Dava pra não morrer de frio. Dava pra não morrer de solidão. Dava pra sobreviver; mas não era vida. Percebi a diferença assim.
Um dia, já quase homem de corpo – porque na alma já era um homem desde muito cedo, vi meu pai na estação. Segui-o, entrei no metrô, mas não tive coragem de chegar perto. O que eu diria? O que eu faria? Resolvi que só iria descobrir o caminho de casa, e pensaria numa maneira de ir até lá e criar coragem pra falar com o velho.
Semanas depois, pensando, pensando, decidi que era a hora de encará-lo.
Parei na calçada de casa. Não havia mudado nada. A grama precisava de um corte, é verdade, mas o resto continuava igual. Senti como se estivesse chegando da escola, no dia da expulsão. Fiquei com medo da surra adiada. Fiquei com medo de não saber o que falar. Fiquei com medo do meu pai.
Entrei – meu pai não gostava de portas trancadas – sentei-me no sofá. Não tinha ninguém em casa. Resolvi fazer um café, cairia bem na hora em que estivéssemos conversando. Enquanto estava passando o café, ouço o barulho da porta. Era ele. Paralisei. Fiquei esperando que ele fosse até a cozinha e me visse. Diria “oi, sou eu, o Vicente”. Deixei cair uma maldita xícara.
Meu pai entrou na cozinha atirando. E foi assim que morri. Ele não me reconheceu. Ele nunca me conheceu. Fomos dois desconhecidos um pra o outro. Ele não matou o filho. Matou um estranho.
Sobremesa: "Não se levantem ainda / A sobremesa tá na mesa / pudim de amor / manjar de ódio / quindim de surpresa / Não esperem a torta de gentileza / tive esse trabalho todo / alguém me ajuda a tirar a mesa?". (Tiago Tenório)
1 de setembro de 2004
Hoje tem visita no prato principal. Culinária de primeira. Cozinheiro que sabe quando deve dosar cada ingrediente; ou quando precisa caprichar na pimenta.
Despedaçando
Alex Camilo
Um pedaço de carne sangrando, um pedaço de alma partindo entre os dentes de alguém.
Um pedaço de alma sangrando, um pedaço de carne partindo ante o flagelo de alguém.
Um pedaço de tempo passando, um pedaço de vida perdida entre os dedos de alguém.
Um pedaço de tempo perdido, um pedaço de vida partindo ante o julgo de alguém.
Um pedaço de dor crescendo, um pedaço de mente sucumbindo entre os dias de alguém.
Um pedaço de mente crescendo, um pedaço de amor sucumbindo ante o desejo de alguém.
Alguém sangrando, alguém partindo, alguém passando, alguém perdido, alguém crescendo, alguém sucumbindo.
Carne sucumbindo, alma crescendo, dor sangrando, amor partido, dedos perdidos, desejo passando.sem compaixão, sem Misericórdia, sem tolerância, sem volta, sem fim, sem ninguém...
Sobremesa: "Se há só um pedaço sadio/ a gente quer que o todo esteja também/ se há um pedaço doente/ a gente tem a impressão que é o todo/ que é tudo". (Raquel Medeiros)
Despedaçando
Alex Camilo
Um pedaço de carne sangrando, um pedaço de alma partindo entre os dentes de alguém.
Um pedaço de alma sangrando, um pedaço de carne partindo ante o flagelo de alguém.
Um pedaço de tempo passando, um pedaço de vida perdida entre os dedos de alguém.
Um pedaço de tempo perdido, um pedaço de vida partindo ante o julgo de alguém.
Um pedaço de dor crescendo, um pedaço de mente sucumbindo entre os dias de alguém.
Um pedaço de mente crescendo, um pedaço de amor sucumbindo ante o desejo de alguém.
Alguém sangrando, alguém partindo, alguém passando, alguém perdido, alguém crescendo, alguém sucumbindo.
Carne sucumbindo, alma crescendo, dor sangrando, amor partido, dedos perdidos, desejo passando.sem compaixão, sem Misericórdia, sem tolerância, sem volta, sem fim, sem ninguém...
Sobremesa: "Se há só um pedaço sadio/ a gente quer que o todo esteja também/ se há um pedaço doente/ a gente tem a impressão que é o todo/ que é tudo". (Raquel Medeiros)
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