13 de setembro de 2004

Palavras que tiram o sono; desenhos que devolvem o sonho
Raquel Medeiros

Veridiana era escritora. Pediu demissão da revista onde trabalhava. Queriam que ela escrevesse matérias sobre mulheres que não conseguiam chegar ao orgasmo. Um tipo de guia. Mas ela nunca tinha tido um, como poderia aconselhar outras mulheres?
O que Veridiana queria era poesia. Poesia. No trabalho, na vida. Tinha alma de poeta. Alma que não queria ter orgasmos em três lições. Queria ter orgasmos em versos, em rimas.
Um dia rabiscou uma de suas poesias na parede de uma obra abandonada. Era muito sentimento pra ficar preso dentro de um papel. Era muito sentimento pra ficar preso dentro dela.
Outro dia passou em frente a obra e viu um desenho feito ao lado do poema. Achou coincidência. "Outra alma que precisa de mais espaço que o corpo oferece". E escreveu mais um texto. No outro dia, mais um desenho. Veridiana se deu conta que talvez aquilo fosse intencional. Os traços, Os tons de cinza. Um pedido de socorro de um solitário. Uma declaração de amor. E desta vez Veridiana não escreveu poema. Escreveu um convite, um apelo.
No dia seguinte acordou mais cedo, esperava encontrá-lo lá, talvez ainda desenhando. Para surpresa de Veridiana não havia desenhos e mesmo seus poemas foram cobertos por cartazes de políticos. Ficou desesperada.
Voltou pra casa e desatou a escrever poesias sobre os desencontros, sobre sua má sorte, sobre a falta de amor. Enclausurou-se. Enlouqueceu. Vizinhos do prédio onde morava, resovelram avisar aos familiares para que estes tomassem uma providência. Nenhuma notícia. Os próprios vizinhos resolveram interná-la num sanatório.
Semanas depois, um novo inquilino achou os escritos de Veridiana, e resolveu publicá-los. Textos viscerais, cheios de sangue e de lágrimas. Cheios de desilusão e dor. Resolveu ir no sanatório conhecer a autora.
Chegando lá, disse "Veridiana publiquei seus escritos, coisas lindas, me emocionaram muito. Espero que gostes. Até chamei um amigo para ilustrar o livro. Vou trazê-lo aqui, pra você conhecê-lo".
Veridiana, que até então não tinha dito palavra alguma, abriu a boca e disse "tarde demais...tarde demais...".

Sobremesa: "A poesia sente-se atraída por dores e desamores/ mas o pobre poeta só busca o amor e seus sabores". (Raquel Medeiros)


Nenhum comentário: