24 de setembro de 2004

Volte sempre
Raquel Medeiros

Loja de perfumes. Vidros de todos os tamanhos e formas, e cores. Prateleiras impecáveis de tão limpas. Nina trabalhava atrás do balcão. Única vendedora da loja. De lá, ela podia ver e analisar cada cliente que entrava. Esse era o seu passatempo predileto.

“ Primeira cliente: Mulher branca, estatura mediana, aparenta uns 30 anos. Nem feia, nem bonita. Precisa de um pouco mais de peito. Não deve Ter tido muitos namorados.” – Bom dia posso ajudar? ...
“Segunda cliente: baixinha, cabelos pretos. Jeito franzino. Tem um nariz horrível, de resto é até bonitinha." – Volte sempre!
“Terceiro cliente: Homem. 45 anos. Nem mais, nem menos. Deve ter uma namorada que tem idade pra ser sua filha. Acho que vou oferecer a linha infantil, só pra ver a cara dele." – Boa tarde, o que o senhor deseja?

Nina quase fechando a loja. Já estava fazendo o saldo do dia. Vinte e seis clientes, ao todo. Uma senhora entra. Era então a vigésima sétima cliente do dia. Nina detestava números ímpares. Ainda mais aquele... A senhora tinha cerca de 60 anos, magra. Uma aristocrata. Um exemplar perfeito dessas mulheres que escondem suas frustrações atrás de um belo colar de esmeraldas. Como ela podia usar uma roupa daquelas?? Onde ela estava nos últimos 20 anos?” – Boa tarde, posso ajudar?.
A senhora pediu um perfume. Pediu outro. Pediu um sabonete. E foi pedindo mais coisas, experimentando mais perfumes. Tinha um jeito antipático, autoritário. Olhava Nina de cima pra baixo. Decidiu, enfim o que levaria.

Acidentalmente, quando Nina foi pegar o perfume pra fazer a nota, o vidro caiu no chão. Foi vidro e perfume pra todo lado. A cliente começou a gritar com ela. Insultá-la.
Nina abaixou pra recolher os pedaços de vidro. Aquela mulher não parava de falar. Nina virou o rosto. Dava pra ver os pés e parte da pantourrilha da mulher. Nina pensava “Como alguém pode usar um sapato desses?. E essas pernas... ela devia ter comprado um hidratante ao invés de um perfume...”
Os pensamentos tomavam conta de Nina. A voz da senhora foi ficando distante, distante. Até que Nina se levantou, pegou o gargalo do vidro e enfiou no pescoço da cliente, bem fundo e segurou lá dentro.
Depois limpou o sangue no rosto. Abaixou e continuou a limpar os restos de vidro. Tranquilamente.

Sobremesa: "Tudo bonito/ tudo limpo/ pode entrar que eu vendo/ mas não me irrite/ não me menospreze/ pois dependendo da dose/ até perfume pode ser veneno". (Raquel Medeiros)

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