27 de setembro de 2004

Salve Bresson e suas fotografias que ilustram cozinhas
Raquel Medeiros

E como quase tudo na vida, a gente sempre busca um sentido pra as coisas que nos acontecem; pra as coisas que gostamos; pra as que não gostamos...
E não precisa ser um senhor acontecimento... uma catástrofe... ganhar na loteria...
Pode ser qualquer coisa – um ônibus perdido, um filme, a falta de luz numa noite de domingo...
Dia desses me peguei pensando naquela famosa fotografia do Bresson, a do menininho andando na rua Mouffetard, segurando umas garrafas de vinho. E, ao contrário do que geralmente leio sobre ela – que tem a beleza da infância “capturada” – sempre me deu uma certa angústia contemplá-la... um nó na garganta...
Cartier-Bresson era um fotógrafo fantástico, mas ao contrário do que muitos pensam, ele não gostava de falar sobre fotografia. Achava que não era essa grande arte da qual todos falam; não era assunto pra homens de bem discutirem. Também não gostava de ver fotografias; nem suas nem dos outros. E o lugar de “destaque” de seus trabalhos era entre o freezer e o fogão; ao lado do espelho do banheiro...
E por que a gente se comove tanto com um trabalho que, na casa do próprio realizador, tinha tanta função e destaque quanto um ímã de geladeira?? Talvez por isso mesmo... pela falta de deslumbramento de Bresson, por parecer tão comum e tão natural ...
Assim é o verdadeiro poeta. Escreve porque se angustia, porque dói, porque ri; porque chora... não é porque acha bonito fazer rima... nem porque é sublime fazer poesia... é porque é o que ele sabe fazer pra manifestar o que há dentro, o que vê lá fora... e às vezes ele acha feio... acha pequeno... acha insuficiente... e coloca numa gaveta, num guardanapo de bar, num papel sujo...
E por que a gente se emociona?
Porque o que importa não é o que o fotógrafo aprisiona na fotografia; nem o que o poeta aprisiona no papel... O que importa é o que está livre, o que está em você e em mim... e que nenhuma razão explica, encerra.


Sobremesa: "E se não faz sentido/ e você precisa de um/ então finge que tem/ ou aprende que nem sempre a razão vem/ E se não tem um fim/ e você precisa de um / então finge que tem/ ou aprende que às vezes o fim não convém”. (Raquel Medeiros)

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